" MENSAGEM DO DIA "
MENSAGENS e POESIAS

MAIO de 2006


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01/Mai/2006:

“ ÊXTASE ”
- - -

“ Eu estava só perto do rio, numa noite estrelada.
Não havia nuvens nos céus, em oceanos sem véus.
Meus olhos mergulharam mais longe que o mundo real.
E bosques, e montes, e toda a natureza,
Parecia interrogar-se num sussurro confuso
Rio de oceanos, os fogos do céu.

E estrelas d'ouro, legiões infinitas,
Em voz alta, em voz baixa, com mil harmonias,
Dizendo, enquanto inclinavam suas coroas de fogo;
E os rios azuis que nada governa e nunca param,
Dizendo, enquanto as cristas de suas espumas dobravam:
- É o Senhor, o Senhor Deus ! ”

( Victor Hugo - 'Biografia' - 1802/1885 )

02/Mai/2006:

“ VERSOS A UM CÃO ”
- EU - 1912 -

“ Que força pôde, adstrita a embriões informes,
Tua garganta estúpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?!

Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
Suficientíssima é para provar
A incógnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.

Cão! - Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais...

E irá assim, pelos séculos, adiante,
Latindo a esquisitíssima prosódia
Da angústia hereditária dos teus pais! ”

( Augusto dos Anjos - 'Biografia' - 1884/1914 )

03/Mai/2006:

“ VERSOS À BOCA DA NOITE ”
- Antologia Poética - 1962 -

“ Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva...
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.

Escreverei sonetos de madureza ?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? sempre mentiroso ?
Acreditarei em mitos ? Zombarei do mundo ?

Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.

Mas se eu pudesse recomeçar o dia !
Usar de novo minha adoração,
meu grito, minha fome... Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.

Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.

As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,

e tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,

e fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)

Mas vêm o tempo e a idéia de passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.

E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sono e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.

E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.

Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre ? na Argentina ? em ti ?
que palavra escutaste, e onde, quando ?
seria indiferente ou solidária ?

Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-riso e em tua ama preta.

Que confusão de coisas ao crepúsculo !
Que riqueza ! sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:

uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,

mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo

comprada em sal, em rugas e cabelo. ”

( Carlos Drummond de Andrade - 'Biografia' - 1902/1987 )

04/Mai/2006:

“ ADEUS ”
- Cachoeira de Paulo Afonso - 1870 -

“ — Adeus — Ai criança ingrata!
Pois tu me disseste — adeus — ?
Loucura! melhor seria
Separar a terra e os céus.
— Adeus — palavra sombria!
De uma alma gelada e fria
És a derradeira flor.
— Adeus! — miséria! mentira
De um seio que não suspira,
De um coração sem amor.
Ai, Senhor! A rola agreste
Morre se o par lhe faltou.

O raio que abrasa o cedro
A parasita abrasou.
O astro namora o orvalho:
— Um é a estrela do galho,
— Outro o orvalho da amplidão.
Mas, à luz do sol nascente,
Morre a estrela — no poente!
O orvalho — morre no chão!
Nunca as neblinas do vale
Souberam dizer-se — adeus —
Se unidas partem da terra,
Perdem-se unidas nos céus.
A onda expira na plaga...
Porém vem logo outra vaga
P’ra morrer da mesma dor...
— Adeus — palavra sombria!
Não digas — adeus —, Maria!
Ou não me fales de amor! ”

( Castro Alves - 'Biografia' - 1847/1871 )

05/Mai/2006:

“ GITANJALI ”
- Oferenda poética - 1910 -

“ Deixa a cantilena, o cântico e a recitação de contas de rosário!
A quem veneras neste recanto solitário e escuro dum templo de portas fechadas?
Abre teus olhos e vê que teu Deus não está diante de ti!
Ele está onde o agricultor está lavrando o chão duro e onde o pedreiro está rachando pedras.
Ele está com eles no sol e na chuva, e sua roupa está coberta de poeira.
Remove teu manto sagrado e como Ele desça para o chão empoeirado!
Libertação? Onde se encontra esta libertação?
Nosso mestre assumiu, pessoalmente e com alegria, os vínculos da criação;
Ele está vinculado a nós para sempre.
Sai de tuas meditações e deixa de lado tuas flores e o incenso!
Que mal há se tuas roupas ficam gastas e manchadas?
Encontra-o e fica com Ele, na faina e no suor de tua face. ”

( Rabindranath Tagore - 'Biografia' - 1861/1941 )

08/Mai/2006:

“ OBSESSÃO DO MAR OCEANO ”
- O Aprendiz de Feiticeiro - 1950 -

“ Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...

Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...

Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome. ”

( Mário Quintana - 'Biografia' - 1906/1994 )

09/Mai/2006:

“ MINHA ESCOLA ”
- Publicado no livro Catimbó - 1927 -

“ A escola que eu frequentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!

À sua porta eu estava sempre hesitante...
De um lado a vida... — A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
— O meu engenho de barro de fazer mel!

Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
— Quantas orações?
— Qual é o maior rio da China?
— A 2 + 2 A B = quanto?
— Que é curvilíneo, convexo?
— Menino, venha dar sua lição de retórica!
— "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
— Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
— Agora, a de francês:
— "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
— Basta
— Hoje temos sabatina...
— O argumento é a bolo!
— Qual é a distância da Terra ao Sol?
— ?!!
— Não sabe? Passe a mão à palmatória!
— Bem, amanhã quero isso de cor...

Felizmente, à boca da noite,
eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d'Água...
E me ensinava a tomar a bênção à lua nova. ”

( Ascenso Ferreira - 'Biografia' - 1895/1965 )

10/Mai/2006:

“ PENSANDO EM VOCÊ ”
- Pequenas Histórias de Amor Verdadeiro- CD 2005 -

“ Há coisas nessa vida passageira que nos tocam
E não se esquece mais.
O sol brilhando a pino, revelando o destino
Que eu sempre quis de paz.

O silêncio da montanha,
Que acompanha feito cúmplice
O céu por trás do olhar.
As águas pardacentas, refletindo uma saudade
Que nunca vai passar.

Eu hoje acordei pensando em você,
E já bem sei ao certo o que fazer.
Eu hoje vou dormir sonhando em te ver,
Pois tudo faz lembrar de um nunca te esquecer.

Se agora a distância nos separa,
Meu querer não se compara.
Sei que ele vai além,
E quando eu fito o azul do firmamento,
Sinto que nesse momento
Os seus olhos vão lembrar também.

Por isso não se entregue, não se avexe,
Se a recordação remexe e faz doer o coração.
Porque minha canção será o caminho
Em que o amor vai de mansinho,

Me levar na tua direção. ”

( Plínio Oliveira - 'O Poeta Cantor' - 1969/**** )

11/Mai/2006:

“ REMORSO PÓSTUMO ”
- tradução: Jamil Almansur Haddad -

“ Quando fores dormir, ó bela tenebrosa
Em fundo de uma cripta em mármore lavrada,
Quando tiveres só por alcova e morada
O vazio abismal de carneira chuvosa;

Quando a pedra, a oprimir tua fronte medrosa
E teus flancos a arfar de exaustão encantada,
Mudar teu coração numa furna calada
Amarrando-te os pés na rota aventurosa,

A tumba, confidente do sonho infinito
(Pois toda a vida a tumba há de entender o poeta),
Pela noite imortal de que o sono é prescrito,

Te dirá: "De que serve, hetaira incompleta,
Não teres conhecido o que choram os mortos?"
E os vermes te roerão assim como os remorsos. ”

( Charles Baudelaire - 'Biografia' - 1821/1867 )

12/Mai/2006:

“ A MULHER ”
- Prefácio do Livro MÃE - 1974 -

“ A mulher deve ser como a palha miúda
com que se encaixotam porcelanas,
palha que não conta,
palha que não se vê,
palha de que ninguém se apercebe,
e sem a qual tudo se quebraria!

( Madame de Stael - 'Anne Louise Germaine Necker' - 1766/1817 )

14/Mai/2006:

“ TROVAS DE MÃE ”
- MÃE: antologia mediúnica - 1974 -

“ Dia das Mães !... Alegrias
Das mais puras, das mais belas!...
Mas é preciso saber
O dia que não é delas.

O nosso berço no mundo,
Sem que ninguém o defina,
É um segredo entre a mulher
E a Providência Divina.

Mãe possui onde apareça
Dois títulos a contento:
Escrava do sacrifício,
Rainha do sofrimento.

Mulher quando se faz mãe,
Seja ela de onde for,
Por fora, é sempre mulher,
Por dentro, é um anjo de amor.

Maternidade na vida,
Que o saiba quem não souber,
É uma luz que Deus acende
No coração da mulher.

Coração de mãe parece,
No lar em que se aprimora,
Padecimento que ri,
Felicidade que chora.

Pela escritura que trago,
Na história dos sonhos meus,
Mãe é uma estrela formada
De uma esperança de Deus.

Quantas mães lembram roseira
Quantos filhos rosas são!...
Quanto rosa junto à festa!
Quanta roseira no chão!... ”

Delfina Benigna da Cunha, natural de São José do Norte (17.06.1791 - 13.04.1857), ficou cega aos vinte meses de vida, mesmo assim produziu obra importante. Seu primeiro livro Poesias Oferecidas às Senhoras Rio-grandenses, foi editado em 1843.

( Chico Xavier / Delfina Benigna da Cunha - 'Biografia' - 1910/2002 )

15/Mai/2006:

“ CANÇÃO DA FORMOSURA”
- Broquéis - 1893 -

“ Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta após dentre a pupila.

Sobe, cantando, a limpidez tranqüila
Da tu'alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila...

Canta e te alaga e se derrama e alaga...
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.

Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura! ”

( Cruz e Sousa - 'Biografia' - 1862/1898 )

16/Mai/2006:

“ A PRAÇA ”
- xxxx - xxx -

“ A praça da Figueira de manhã,
Quando o dia é de sol (como acontece
Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora seja uma memória vã.
Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu
Por que o amo? Não importa. Adiante ...

Isto de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar para elas.
Nenhuma delas em mim serena...

De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros ou as que não há. ”

( Álvaro de Campos / Fernando Pessoa - 'Biografia' - 1888/1935 )

17/Mai/2006:

“ MATTER”
- MÃE: antologia mediúnica - 1974 -

“ Ei-la... - senhora e serva, entre humana e divina,
Por mais a dor, por dentro, a espanque ou despedace,
Carreia a paz no gesto e o sorriso na face,
Fala e desvenda o rumo, abençoa e ilumina.

Anjo renovador, tem no lar a oficina,
Onde o serviço excluí todo prazer mendace,
Ao seu toque de luz, a esperança renasce,
Suporta, recompõe, trabalha, sofre, ensina.

Mãe, um dia, quis Deus mostrar-se à vida humana,
Fêz-se santa e mulher, escrava e soberana,
Vinculada nos Céus, de homenagens prescindes !...

Deus se revela em ti, no amor alto e perfeito,
Por isso, trazes, Mãe, nos recessos do peito,
A ternura sem par e a bondade sem lides. ”

( Chico Xavier / Carlos Bittencourt - 'Biografia' - 1910/2002 )

18/Mai/2006:

“ O QUE EU VI... O QUE NÓS VEREMOS ”
- trechos do livro do inventor (com o idioma atualizado) - 1918 -

“(...) Creio, deveria ser chamada 'Época heróica da aeronáutica', a que compreende os fins do século passado e os primeiros anos do atual. Nela brilham os mais audaciosos arrojos dos inventores, que quase se esqueciam da vida, por muito se lembrarem do seu sonho(...)

(...) Essa coragem, porém, que os consagra como heróis, creio, não é maior que as dos inventores, primeiros pássaros humanos que, após heróica pertinácia em estudos de laboratório, se arrojaram a experimentar maquinas frágeis, primitivas e perigosas. Foram centenas as vítimas dessa audácia nobre, que lutaram com mil dificuldades, sempre recebidos como "malucos", e que não conseguiram ver o triunfo dos seus Sonhos, mas para cuja realização colaboraram com o seu sacrifício, com a sua vida.

Não fosse a audácia, digna de todas as nossas homenagens, dos Capitaine Ferber, Lilienthal, Pilcher, Barão de Bradsky, Augusto Severo, Sachet, Charles, Morin, Delagrange, irmãos Nieuport, Chavez e tantos outros - verdadeiros mártires da ciência - e hoje não assistiríamos, talvez, a esse progresso maravilhoso da Aeronáutica, conseguido, todo inteiro, à custa dessas vidas, de cujo sacrifício ficava sempre uma lição.
Penso, a maior parte dos meus leitores serão jovens nascidos depois dessa época, que já se vai tanto ensombreando na memória; suplico-lhes, pois, não se esquecerem destes nomes. A eles cabe, em grande parte, o mérito do que hoje se faz nos ares...

A princípio, tinha-se que lutar não só contra os elementos, mas também contra os preconceitos, a direção dos balões e, mais tarde, o vôo mecânico, que eram problemas "insolúveis".

Eu também tive a honra de trabalhar um pouco, ao lado destes bravos, porém, o Todo Poderoso não quis que o meu nome figurasse junto aos deles (...essa afirmação revela uma grande humildade, que fazia parte do caráter do nosso grande herói...). As primeiras lições que recebi de aeronáutica, foram-me dadas pelo nosso grande visionário: Julio Verne. De 1888, mais ou menos, a 1891, quando parti pela primeira vez para a Europa, li, com grande interesse, todos os livros desse grande vidente da locomoção aérea e submarina. Algumas vezes, no verdor dos meus anos, acreditei na possibilidade de realização do que contava o fértil e genial romancista; momentos após, porém, despertava-se em mim o espírito prático, que via o peso absurdo do motor a vapor, o mais poderoso e leve que eu tinha visto. (...)

(...) Resumindo, pois, penso que não teremos aviação de verdade, enquanto não possuirmos um grande campo, de léguas quadradas, ou mesmo um pequeno, de alguns quilômetros, rodeado, porém, de grandes planícies que, não obstante não pertençam à Escola, ofereçam bom terreno para a descida do aparelho em caso de necessidade. Precisamos, também, de professores experimentados na arte de ensinar aviação e que morem com os alunos, próximo à Escola (...)

(...) Eu, para quem já passou o tempo de voar, quisera, entretanto, que a aviação fosse para os meus jovens patrícios um verdadeiro esporte.

Meu mais intenso desejo é ver verdadeiras escolas de aviação no Brasil. Ver o aeroplano - hoje poderosa arma de guerra, amanhã meio de ótimo transporte - percorrendo as nossas imensas regiões, povoando o nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Padre Bartolomeu de Gusmão. ”

Nossa opinião: acreditamos que o nosso glorioso e modesto inventor, em espírito, mesmo após tantas desilusões com o seu invento, tem o seu sonho realizado, vendo as companhias aéreas brasileiras, mormente a VARIG, cortando os céus do nosso Brasil e unindo a nossa gente... como também deve ter-lhe dado uma imensa alegria, acompanhar a missão do nosso primeiro astronauta - grande brasileiro-, Coronel Marcos César Pontes, tão injustamente e perfidamente caluniado, pela mídia e por mentes fracas e invejosas, que não têm luz própria, e que fizeram o desfavor de inserir, também neste episódio, interesses políticos mesquinhos (Eng. Celio Franco).

( Santos Dumont - 'Biografia' - 1873/1932 )

19/Mai/2006:

“ O MISTÉRIO DA MORTE ”
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -

“ O mistério da morte é o mistério da vida,
Que abandona a matéria exânime e cansada;
Que traz a treva em si e abre a porta dourada
De um mundo que entre nós é a luz desconhecida.

Também tive a minhalma outrora perturbada,
De dúvida, incerteza e angústias consumida,
Mas a morte sanou-me a última ferida
Desfazendo as lições utópicas do Nada.

A morte é simplesmente o lúcido processo
Desassimilador das formas acessíveis
À luz do vosso olhar, empobrecido e incerto.

Venho testemunhar a luz de onde regresso,
Incitando vossa alma aos planos invisíveis,
Onde vive e se expande o Espírito liberto. ”

( Chico Xavier / Amadeu - 'Biografia' - 1910/2002 )

22/Mai/2006:

“ A MAIOR TORTURA ”
- A um grande poeta de Portugal - xxxx -

“ Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia ...
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite !

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia ! ...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite !

Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado !

Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para gritar num verso a minha Dor ! ...”

( Florbela Espanca - 'Biografia' - 1894/1930 )

23/Mai/2006:

“ A LÁGRIMA SÚBITA ”
- Salvador, mormaço da tarde - 25/11/95 -

“ Porque o medo não é outra coisa
senão o desamparo da reflexão.
(Livro da Sabedoria, 17,12)

Nenhuma grande chuva
jamais encheu
o mar;
nenhuma seca do Ceará conseguiu baixar
o nível das águas
deste mar-oceano;
logo,
esta lágrima súbita,
neste mar salgado, é inútil
como volume.

— De que medos tenho coisa?

Transito eu - ela disse - entre o abismo
e a lembrança;
que agora,
neste borrifo de espuma e brisa,
os escorridos da minha face me confundem:

— serão de mim,
serão do mar? —

— De que medos tenho eu?

Por que agora uma lágrima,
nascida num canto de minha face,
quando lágrimas
só as conheço de alegre?

Seria este azul de mar
profundo, fundo,
cheio, soturno,
a fonte obscura do meu terror?

Se eu chamar a reflexão,
aplacadas serão minhas aflições?

Ou, mais prudente clamar pelo sonho,
que prefiro imaginar, agora:

(optei pelo sonho,
claro que é sonho)

esta vontade de fugir
e cavalgar horizonte e brisa,
tanger os ventos no corcel dos meus cabelos,
navegar os azuis e céus na esquina de minha face
e quando gritar por lágrima,
venha, senhora lágrima,
eu quero
eu preciso chorar,

e de surpresa,
quando olhar de lado,
é sonho, claro que é,
reencontrar,
no vento ligeiro,
a fuga dos teus olhos!? ”

( Francisco José Soares Feitosa - 'Biografia' - 1944/**** )

24/Mai/2006:

“ POEMA DO MILHO ”
- (no Dia do Milho - 24/Mai) -

“ Milho ...
Punhado plantado nos quintais.
Talhões fechados pelas roças.
Entremeado nas lavouras,
Baliza marcante nas divisas.
Milho verde. Milho seco.
Bem granado, cor de ouro.
Alvo. às vezes vareia,
- espiga roxa, vermelha, salpintada.

Milho virado, maduro, onde o feijão enrama
Milho quebrado, debulhado
na festa das colheitas anuais.

Bandeira de milho levada para os montes
largada pelas roças:
Bandeiras esquecidas na fartura.
Respiga descuidada
dos pássaros e dos bichos.

Milho empaiolado.
abastança tranqüila
do rato,
do caruncho.
do cupim.
Palha de milho para o colchão.
Jogada pelos pastos.
Mascada pelo gado.
Trançada em fundos de cadeiras.

Queimada nas coivaras.
Leve mortalha de cigarros.
Balaio de milho trocado com o vizinho
no tempo da planta.
"- Não se planta, nos sítios, semente da mesma terra".

Ventos rondando, redemoinhando.
Ventos de outubro.

Tempo mudado. Revôo de saúva.
Trovão surdo, tropeiro.
Na vazante do brejo, no lameiro,
o sapo-fole, o sapo-ferreiro, o sapo-cachorro.
Acauã de madrugada
marcando o tempo, chamando chuva.
Roça nova encoivarada,
começo de brotação.
Roça velha destocada.
Palhada batida, riscada de arado.
Barrufo de chuva.
Cheiro de terra; cheiro de mato,
Terra molhada, Terra saroia.
Noite chuvada, relampeada.
Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais.
Observatório: lua virada. Lua pendida . . .
Circo amarelo, distanciado,
marcando chuva.
Calendário, Astronomia do lavrador.

Planta de milho na lua-nova.
Sistema velho colonial.
Planta de enxada.
Seis grãos na cova,
quatro na regra, dois de quebra.
Terra arrastada com o pé,
pisada, incalcada, mode os bichos.

Lanceado certo-cabo-da-enxada...
Vai, vem . . . sobe, desce . . .
terra molhada, terra saroia . . .
Seis grãos na cova; quatro na regra, dois de quebra
Sobe. Desce . . .
Camisa de riscado, calça de mescla
Vai, vem . . .
golpeando a terra, o plantador.

Na sombra da moita,
na volta do toco - o ancorote d'água:

Cavador de milho, que está fazendo?
A que milênios vem você plantando.
Capanga de grãos dourados a tiracolo.
Crente da Terra, Sacerdote da terra.
Pai da terra.
Filho da terra.
Ascendente da terra.
Descendente da terra.
Ele; mesmo; terra.

Planta com fé religiosa.
Planta sozinho, silencioso.
Cava e planta.
Gestos pretéritos, imemoriais...
Oferta remota; patriarcal.
Liturgia milenária.
Ritual de paz.
Em qualquer parte da Terra
um homem estará sempre plantando ,
recriando a Vida.
Recomeçando o Mundo.

Milho plantado; dormindo no chão, aconchegados
seis grãos na cova.
Quatro na regra, dois de quebra.
Vida inerte que a terra vai multiplicar.

E vem a perseguição:
o bichinho anônimo que espia, pressente.
A formiga-cortadeira - quenquém.
A ratinha do chão, exploradeira.
A rosca vigilante na rodilha,
O passo-preto vagabundo, galhofeiro,
vaiando, sorrindo . . .
aos gritos arrancando, mal aponta.
O cupim clandestino
roendo, minando,
só de ruindade.

E o milho realiza o milagre genético de nascer:
Germina. Vence os inimigos,
Aponta aos milhares.
- Seis grãos na cova.
- Quatro na regra, dois de quebra,
Um canudinho enrolado.
Amarelo-pálido,
frágil, dourado, se levanta.
Cria sustância.
Passa a verde.
Liberta-se. Enraíza,
Abre folhas espaldeiradas.
Encorpa. Encana. Disciplina,
com os poderes de Deus.

Jesus e São João
desceram de noite na roça ,
botaram a bênção no milho,
E veio com eles
uma chuva maneira, criadeira, fininha,
uma chuva velhinha,
de cabelos brancos,
abençoando
a infância do milho.

O mato vem vindo junto,
Sementeira.

As pragas todas, conluiadas.
Carrapicho. Amargoso. Picão.
Marianinha. Caruru-de-espinho.
Pé-de-galinha. Colchão.
Alcança, não alcança.
Competição.
Pac . . . Pac . . . Pac . . .
a enxada canta.
Bota o mato abaixo.
arrasta uma terrinha para o pé da planta.
"...- Carpa bem feita vale por duas . . ."
Quando pode. Quando não... sarobeia.
Chega terra O milho avoa.

Cresce na vista dos olhos.
Aumenta de dia. Pula de noite.
Verde Entonado, disciplinado, sadio.

Agora ...
A lagarta da folha,
lagarta rendeira . . .
Quem é que vê ?
Faz a renda da folha no quieto da noite.
Dorme de dia no olho da planta,
Gorda; Barriguda. Cheia.
Expurgo : . . nada . . . força da lua . . ,
Chovendo acaba - a Deus querê.

" O mio tá bonito ... "
"-Vai sê bão o tempo pras lavoras todas . "
"- O mio tá marcando . . . "
Condicionando o futuro:
"- O roçado de seu Féli tá qui fais gosto ...
Um refrigério "
"- O mio lá tá verde qui chega a s'tar azur..."
- Conversam vizinhos e compadres.

Milho crescendo, garfando,
esporando nas defesas...

Milho embandeirado.
Embalado pelo vento.

"Do chão ao pendão, 60 dias vão".

Passou aguaceiro, pé-de-vento.
" - O milho acamou . . . " "- Perdido?" . . . Nada...
Ele arriba com os poderes de Deus .. . "
E arribou mesmo; garboso, empertigado, vertical.

No cenário vegetal
um engraçado boneco de frangalhos
sobreleva, vigilante.
Alegria verde dos periquitos gritadores . . .
Bandos em seqüência . . . Evolução . . .
Pouso . . . retrocesso.

Manobras em conjunto.
Desfeita formação.
Roedores grazinando, se fartando,
foliando, vaiando
os ingênuos espantalhos.

"Jesus e São João
andaram de noite passeando na lavoura
e botaram a bênção no milho" .
Fala assim gente de roça e fala certo.
Pois não está lá na taipa do rancho
o quadro deles, passeando dentro dos trigais?
Analogias . . . Coerências.

Milho embandeirado
bonecando em gestação.
- Senhor! . . . Como a roça cheira bem !
Flor de milho, travessa e festiva.
Flor feminina, esvoaçante, faceira.
Flor masculina - lúbrica, desgraciosa.

Bonecas de milho túrgidas,
negaceando, se mostrando vaidosas.
Túnicas, sobretúnicas . . .
saias, sobre-saias . . .
Anáguas . . . camisas verdes.
Cabelos verdes . . .
~Cabeleiras soltas, lavadas, despenteadas. . .
- O milharal é desfile de beleza vegetal.

Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas.
Cabelos prateados, verde-gaio.
Cabelos roxos, lisos, encrespados.
Destrançados.
Cabelos compridos, curtos,
queimados, despenteados .
Xampu de chuvas . . .
Flagrâncias novas no milharal.
- Senhor, como a roça cheira bem! . . .

As bandeiras altaneiras
vão se abrindo em formação.
Pendões ao vento.
Extravasão da libido vegetal.
procissão fálica, pagã.
Um sentido genésico domina o milharal.
Flor masculina erótica, libidinosa,
polinizando, fecundando
a florada adolescente das bonecas:

Boneca de milho, vestida de palha . . .
Sete cenários defendem o grão
Gordas, esguias, delgadas; alongadas
Cheias, fecundadas.
Cabelos soltos excitantes.
Vestidas de palha.
Sete cenários defendem o grão,
Bonecas verdes, vestidas de noiva
Afrodisíacas, nupciais . . .

De permeio algumas virgens loucas . . .
Descuidadas. Desprovidas.
Espigas falhadas. Fanadas. Macheadas.

Cabelos verdes. Cabelos brancos.
Vermelho-amarelo-roxo, requeimado . . .
E o pólen dos pendões fertilizando . . .
Uma fragrância quente, sexual,
invade num espasmo o milharal.
A boneca fecundada vira espiga.
Amortece a grande exaltação.
Já não importam as verdes cabeleiras rebeladas
A espiga cheia salta da haste.
O pendão fálico vira ressecado, esmorecido,
No sagrado rito da fecundação.

Tons maduros de amarelo.
Tudo se volta para a terra-mãe.
O tronco seco é um suporte, agora,
onde o feijão verde trança, enrama, enflora.

Montes de milho novo, esquecidos,
marcando claros no verde que domina a roça.
Bandeiras perdidas na fartura das colheitas.
Bandeiras largadas, restolhadas.
E os bandos de passo-pretos galhofeiros
gritam e cantam na respiga das palhadas.

"Não andeis a respigar" - diz o preceito bíblico
O grão que cai é o direito da terra.
A espiga perdida - pertence às aves
que têm seus ninhos e filhotes a cuidar.
Basta para ti, lavrador,
o monte alto e a tulha cheia.
Deixa a respiga para os que não plantam nem colhem
- O pobrezinho que passa.
- Os bichos da terra e os pássaros do céu. ”

( Cora Coralina - 'Biografia' - 1889/1985 )

25/Mai/2006:

“ O TEMPO ”
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -

“ O tempo é campo eterno em que a vida enxameia
Sabedoria e amor na estrada meritória.
Nele o bem cedo atinge a colheita da glória
E o mal desce ao paul de lama, cinza e areia.

Esquece a mágoa hostil que te oprime e alanceia.
Toda amargura é sombra enfermiça e ilusória...
Trabalha, espera e crê... O serviço é vitória
E cada coração recolhe o que semeia.

Dor e luta na Terra - a Celeste Oficina -
São portas aurorais para a Mansão Divina.
Purifica-te e cresce, amando por vencê-las...

Serve sem perguntar por 'onde', 'como' e 'quando',
E, nos braços do Tempo, ascenderás cantando
Aos Píncaros da Luz, no País das Estrelas !”

Amaral Ornellas: funcionário público, nasceu no Rio de Janeiro em 20 de Outubro de 1885 e desencarnou a 5 de Janeiro de 1923. Talento brilhante, deixou dois volumes de Poesia, consagrados pela crítica coeva, além de copiosa literatura teatral e doutrinária.

( Chico Xavier / Amaral Ornellas - 'Biografia' - 1910/2002 )

26/Mai/2006:

“ AVE MARIA”
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -

“ Ave Maria ! Senhora
Do Amor que ampara e redime,
Ai do mundo se não fora
A vossa missão sublime !

Cheia de graça e bondade,
É por vós que conhecemos
A eterna revelação
Da vida em seus dons supremos.

O Senhor sempre é convosco,
Mensageira da ternura,
Providência dos que choram
Nas sombras da desventura.

Bendita sois vós, Rainha !
Estrela da Humanidade,
Rosa mística da fé,
Lírio puro da humildade!

Entre as mulheres sois vós
A Mãe das mães desvalidas,
Nossa porta de esperança,
E Anjo de nossas vidas !

Bendito o fruto imortal
Da vossa missão de luz,
Desde a paz da Manjedoura,
Às dores, além da Cruz.

Assim seja para sempre,
Oh! Divina Soberana,
Refúgio dos que padecem
Nas dores da luta humana.

Ave Maria ! Senhora
Do Amor que ampara e redime,
Ai do mundo se não fora
A vossa missão sublime ! ”

Amaral Ornellas: funcionário público, nasceu no Rio de Janeiro em 20 de Outubro de 1885 e desencarnou a 5 de Janeiro de 1923. Talento brilhante, deixou dois volumes de Poesia, consagrados pela crítica coeva, além de copiosa literatura teatral e doutrinária.

( Chico Xavier / Amaral Ornellas - 'Biografia' - 1910/2002 )

29/Mai/2006:

“ INDICAÇÕES ”
- Antologia Poética - 1962 -

“ Talvez uma sensibilidade maior ao frio,
desejo de voltar mais cedo para casa.
Certa demora em abrir o pacote de livros
esperado, que trouxe o correio.

Indecisão: irei ao cinema ?
Dos três empregos de tua noite escolherás: nenhum.
Talvez certo olhar, mais sério, não ardente,
que pousas nas coisas, e elas compreendem.

Ou pelo menos supões que sem. São fiéis, as coisas de teu
escritório. A canela velha. Recusas-te a trocá-la pela que
encerra o último segredo químico, a tinta imortal.
Certas manchas na mesa, que não sabes se o tempo
se a madeira, se o pó trouxeram consigo.
Bem a conheces tua mesa. Cartas, artigos, poemas
saíram dela, de ti. Da dura substância,
do calmo, da floresta partida elas vieram,
as palavras que achaste e juntaste, distribuindo-as.

A mão passa
na aspereza. O verniz que se foi. Não a árvore
que regressa. A estrada voltando. Minas que espreita,
e espera, longamente espera tua volta sem som.
A mesa se torna leve, e nela viajas
em ares de paciência, acordo, resignação.
Olhai a mesa que foge, não a toqueis. É a mesa volante,
de suas gavetas saltam papéis escuros, enfim os libertados segredos
sobre a terra metálica se espalham, se amortalham e calam-se.

De novo aqui, miúdo território
civil, sem sonhos. Como pressentindo
que um dia se esvaziam os quartos, se limpam as paredes,
e para um caminhão e descem carregadores,
e no livro municipal se cancela um registro,
olhas fundamente o risco de cada
coisa, a cor
de cada face dos objetos familiares.
A família é pois uma arrumação de móveis, soma
de linhas, volumes, superfícies. E são portas,
chaves, pratos, camas, embrulhos esquecidos,
também um corredor, e o espaço
entre o armário e a parede
onde se deposita certa porção de silêncio, traças e poeira
que de longe em longe se remove... e insiste.

Certamente faltam muitas explicações, seria difícil
compreender, mesmo ao cabo de longo tempo, porque um gesto
se abriu, outro se frustrou, tantos esboçados,
como seria impossível guardar todas as vozes
ouvidas ao almoço, ao jantar, na pausa da noite,
um ano, depois outro, e outros e outros,
todas as vozes ouvidas na casa durante quinze anos.
Entretanto, devem estar em alguma parte: acumularam-se,
embeberam degraus, invadiram canos,
enformaram velhos papéis, perderam a força, o calor,
existem hoje em subterrâneos, umas na memória, outras na argila do sono.

Como saber? A princípio parece deserto,
como se nada ficasse, e um rio corresse
por tua casa, tudo absorvendo.
Lençóis amarelecem, gravatas puem,
a barba cresce, cai, os dentes caem,
os braços caem,
caem partículas de comida de um garfo hesitante,
as coisas caem, caem, caem,
e o chão está limpo, é liso.
Pessoas deitam-se, são transportadas, desaparecem,
e tudo é liso, salvo teu rosto
sobre a mesa encurvado; e tudo imóvel. ”

( Carlos Drummond de Andrade - 'Biografia' - 1902/1987 )

30/Mai/2006:

“ O DIA QUE FICOU NUM SONHO ”
- xxx - xx -

“ Tenho um sonho repetido que diz uma tia minha ser real,
mas minha mãe sempre desmente,
pois foi chocante para mim, de tal forma que não deixo de sonhá-lo.

Tão chocante para mim quanto para ela, que ficou psicótica e neurótica
com a questão de quem leva e pega sua filha... e depois o seu casal de filhos
para o colégio ou seus afazeres.
Já que ela trabalhava, e meu pai também,
não tinham hora para me buscarem na escola,
muitas vezes me lembro ter usado condução escolar.

Nesse colégio, Montessoriano, foi bem diferente,
minha mãe que era a incumbida pela saída, sendo eu a única filha,
era normal que a mãe nunca viesse a ESQUECÊ-LA na porta, na hora da saída.

Pois bem, sonho ou realidade vou-lhes contar.

Chegada a hora da saída, batendo o sinal,
corri para o portão do colégio onde ficava lá a diretora,
levando-nos até o carro de nossos pais e nos dando adeus.

Não me lembro se isso era rotina, pois era muito pequena,
então, nesse dia a coisa parece ter ficado mais marcante sobre a presença da diretora.

Lembro do parquinho e da área enorme que parecia um hotel fazenda, a escola,
e lembro também poder ver o mar quando dali saía, como morava na Urca,
imagino que não era distante, pois não demorávamos a chegar a nossa casa.

Nesse dia, então, estive olhando para um lado e para outro e nada de mamãe.

Passava-se muito tempo, noção ainda não tinha, pois não tinha relógio e nem sabia ver a hora.
Deveria ser do maternal, na época.
Eu sei bem que era já por do sol e nada da mamãe.

Não havia mais ninguém no colégio e a diretora não tinha conseguido
entrar em contato com meus pais, então foi quando vi a diretora
e minha professora (não sei bem, não lembro, mas era uma moça de quem
eu gostava muito e por quem tinha respeito, por isso achei)
e a servente com mãos na nuca, na testa e caras de preocupação.

Então foi quando vi a diretora ligar para alguém
e vir correndo para porta... e ficar olhando direto e até que me chegava um táxi.

Fiquei tranqüila, pois achei que ela iria me acompanhar,
mas logo depois fiquei meio tonta, senão iríamos no carro dela.

Fiquei em pânico, branca, gelada, assim a diretora encaminhou-me, arrastada,
para o carro e perguntou se o taxista saberia chegar a minha rua,
detalhe que eu não sabia, mas eu morava num lugar que todos conheciam na área,
mas o "cara" não sabia, aí que comecei a suar frio e quase desmaiar.

A diretora me viu começar a chorar e falou brava:
você tem que começar a saber ser mais independente, vá,
ele está com o endereço e qualquer problema você ajuda a ele,
indicando pelo menos o prédio, para alguma coisa você deve prestar,
garotinha chorona e manhosa, além de me dar problemas durante o dia,
pois seus colegas não gostam de você, você faz teatrinho para comover agente?
Não adianta que eu já disse que não levo você, tenho minha vida.

Pronto, desabei mesmo.

Soluçava, gritava, mas de repente vi uma pessoa empurrando a cretina,
e vi minha mãe me puxando assustada do táxi e falando para a dita cuja
que nunca mais a filha dela pisaria naquele colégio, pois eu já estava tendo conflitos
com a didática e orientação pedagógica deles e a minha educação rígida e meio proibitória.

E a diretora remeteu uns impropérios para minha mãe e só disso é que me lembro.

Parece-me que ela ainda me levou para comer um hambúrguer,
que eu adorava, do Rio Sul, ainda não tinha Mc Donnald´s nessa época,
mas lembro do gosto desse sanduíche até hoje e do abraço forte no colo da mamãe. ”

( Cris Passinato - 'Biografia' - 1973/**** )

31/Mai/2006:

“ A DIVINA COMÉDIA ”
- ASES - Bragança Paulista -
veja aqui: Concursos de Prosa e Poesia

"... a humana fala a natureza expressa;
Por ela, o modo de falar deixado
ao homem está, segundo lhe interessa."
( Dante Alighieri - A Divina Comédia)

“ Coloquei, a tocar, um disco de Ellis
( morta, famosa e infeliz!)
Estava rodeada por mortos:
Lia Dante, ouvia Ellis,
Posso até ouvir os anjos
falarem com Beatriz...
Ao mesmo tempo, clara,
entoa a voz de Ellis.
Além do que
Chovia...

Talvez, fosse eu a única
a perceber a ironia:
há mais morte entre os vivos
que vida a ser cumprida.
Memórias...
Lâmpadas...
Fuligem....
Cinza pintando o breu
e mais escura que a noite
estou eu
arrebanhando meus mortos
guardando suas memórias,
acendendo suas luzes,
limpando suas fuligens.

Enquanto isso, a vida corre...
Lá fora
paixões e desencontros,
trabalho e ócio,
indiferença e morte,
(Olhe lá, ela rondando de novo!)
Palavras não escritas,
frases esquecidas,
beijos não dados,
amor resguardado.
O nó
da vida
se desfaz
sem
dó... ”

( Henriette Effenberger - 'Biografia' - 1952/**** )

 

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