" MENSAGEM DO DIA "
MENSAGENS e POESIAS

JANEIRO de 2006


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01/Janeiro/2006:

“ A CADA NOVO RECOMEÇO”
- é sempre bom rever os valores e ajustá-los ao tempo em que vivemos -

Nascemos antes da televisão, da penicilina, da vacina Sabin; antes da comida congelada, da fralda descartável, do Xerox, do plástico, das lentes de contato, do nylon, do fax, do telefone celular, do CD ou CD-ROM, da Internet, do computador, da pílula anticoncepcional, da Aids e da popularização da camisinha.

Nós nascemos antes do radar, dos cartões de crédito, dos caixas eletrônicos, do raio laser e das canetas esferográficas. Nascemos antes das máquinas de lavar pratos, secadoras de roupa, cobertores elétricos, ar condicionado e antes do homem ir ao espaço ou andar na lua.

Nascemos bem antes da ressonância magnética, da tomografia computadorizada, do video-som, do interferon, do viagra, do prosac, da morte encefálica, da telemedicina.

Nascemos antes dos "gays", da mulher que trabalha dentro e fora de casa em jornada dupla, da produção independente de filhos, dos berçários, da terapia de grupo, dos Spas, dos bebês de proveta, da lipoaspiração, da lipoescultura, das mães de aluguel, do banco de espermas, do uso do botox e da clonagem de seres vivos.

Nós nunca tínhamos ouvido falar em fita cassete, video-cassete, três em um, máquina de escrever elétrica, transplante, coração artificial, video-game, video-fone, computador, telefone digital, cartão magnético, código de barras, danoninho e rapazes de brinco.

Nos nossos dias fumava-se cigarros, erva era usada para fazer chá, coca era refrigerante e pó era sujeira. Embalo era feito para que crianças dormissem; lambada era uma chicotada e fio dental era material de higiene bucal; malhar era coisa de ferreiro; ficar era permanecer num local e depressão era uma ondulação do terreno. Craque (crack) era o bom de bola; êxtase (esctasy) era uma elevação sublime.

Nós nos contentávamos com o que tínhamos. Andávamos a pé ou de bonde; namorávamos de mãos dadas, com beijos roubados e carícias fortuitas. Éramos gente estranha; nós casávamos primeiro e só depois íamos morar juntos.

Fomos a última de uma série de gerações bobas, a ponto de pensar que um beijo de amor engravidava e que era preciso um marido para que uma mulher tivesse um bebê!

Portanto, não se espantem que estejamos tão confusos e que exista uma lacuna tão grande entre as nossas gerações.

Nós vivíamos! Sim, nós vivíamos e continuamos a viver, apesar da próxima invenção.

E apesar da enorme velocidade das mudanças em todos os aspectos e segmentos das nossas vidas e da realidade em que estamos inseridos hoje, somente envelhecemos quando nos fechamos para as novas idéias e nos tornamos radicais.

Envelhecemos quando o novo nos assusta, e nossa mente insiste em não aceitá-lo.
Envelhecemos quando nos tornamos impacientes, intransigentes e não conseguimos dialogar.
Envelhecemos quando nosso pensamento abandona sua casa e retorna a ela sem nada a acrescentar.
Envelhecemos quando muito nos preocupamos e depois nos culpamos por não ter tido tantos motivos assim para nos preocupar.
Envelhecemos quando pensamos demasiadamente em nós mesmos, e consequentemente, nos esquecemos completamente dos outros.

Envelhecemos quando pensamos em ousar e já antevemos o preço que teremos que pagar pelo ato, mesmo que os fatos insistam em nos contrariar.
Envelhecemos quando temos a chance de amar... e daí o nosso coração se põe a pensar: "Será que vale a pena correr o risco de nos darmos por inteiro? Será que vai compensar?"
Envelhecemos quando permitimos que o cansaço e o desalento tomem conta de nossa mente e nos pomos a lamentar.
Envelhecemos, enfim, quando paramos de lutar.

O amor não envelhece. É sempre novo, vivo, intrigante, desafiante, motivador, arrebatador...”

( João Luiz Servelhere - 'Biografia' - 1952/**** )

11/Janeiro/2006:

“ BALADA DO ESPLANADA ”

“ Ontem à noite
Eu procurei
Ver se aprendia
Como é que se fazia
Uma balada
Antes de ir
Pro meu hotel.
É que este
Coração
Já se cansou
De viver só
E quer então
Morar contigo
No Esplanada.

Eu queria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos
É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
Que passariam
Diriam
É o hotel
É o hotel
Do menestrel

Pra me inspirar
Abro a janela
Como um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
E ficar sendo
O menestrel
De meu hotel

Mas não há, poesia
Num hotel
Mesmo sendo
'Splanada
Ou Grand-Hotel

Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador. ”

( Oswald de Andrade - 'Biografia' - 1890/1954 )

12/Janeiro/2006:

“ CARTA LIGEIRA ”
- Parnaso de Além-Túmulo -

“Meu Lasneau, não é bilhete,
Não é ofício, nem ata.
É o coração que desata
Meus pesares num lembrete.

I

Lasneau amigo, esta choça,
Onde a carne, breve, passa,
Cheia de lama e fumaça,
É minúscula palhoça.

A Terra, ante o sol da Graça,
É feio talhão de roça,
Detendo por balda nossa
Descrença, guerra e cachaça.

Agora é que entendo isso,
Mas é triste a fé sem viço
Que o sepulcro impõe à pressa...

Espere sem alvoroço,
Além da prisão de osso,
A vida real começa.

II

Oh ! meu caro, se eu pudesse
Dizer tudo o que não disse,
Sem a velha esquisitice
Que inda agora me entontece !

Entretanto, é clara a messe
Da sementeira de asnice.
Perdi tempo em maluquice
E o tempo me desconhece.

É natural que padeça
A minha pobre cabeça
Perante a Luz, face a face.

Não me olvide em sua prece,
Desejo que a luta cesse,
Que a coisa melhore e... passe. ”

Alfredo Nora: Alfredo José dos Santos Nora nasceu em 18 de Novembro de 1881, no município de Piraí-RJ, e desencarnou em 13 de Novembro de 1948. Depois de estudar Engenharia até o 4º ano, tornou-se funcionário da Central do Brasil, aposentando-se como Agente de 1ª classe. Poeta e jornalista, colaborou em várias revistas e jornais.

( Alfredo Nora / Chico Xavier - 'Biografia' - 1881/**** )

13/Janeiro/2006:

“ O CONVITE ”
- versão original: The Invitation -

“Não me importa o que você faz para sobreviver. Quero conhecer a sua dor e se você ousa sonhar para ir de encontro ao que seu coração anseia.

Não me interessa saber a sua idade. Quero saber se você arriscará parecer um tolo por amor, pelos seus sonhos e pela aventura de estar vivo.

Não me importa saber quais planetas estão alinhados com a sua Lua. Eu quero saber se você tocou o âmago do próprio sofrimento, se tem estado aberto para aprender com as traições da vida, ou tem se paralisado e fechado pelo medo de uma dor maior. Quero saber se você consegue sentar-se com as dores, minhas ou suas, sem se preocupar em escondê-las, ou enfraquecê-las, ou tentar resolvê-las.

Eu quero saber se você pode conviver com a alegria, minha ou sua, se pode dançar com selvageria e deixar o êxtase preenchê-lo por inteiro, até as pontas dos seus dedos, das mãos e dos pés, sem advertir-se para ser cuidadoso ou realista, apenas para recordar as limitações de ser humano.

Não me interessa se a estória que você me conta é verdadeira. Quero saber se você é capaz de desapontar o outro para ser verdadeiro consigo mesmo, se pode suportar a acusação de traição e não trair a sua própria alma; se você pode ser infiel e, ainda assim, digno de confiança.

Eu quero saber se você pode enxergar a beleza, mesmo quando não esteja presente, todos os dias, e se você mesmo pode ser o manancial da sua presença, na própria vida.

Quero saber se você pode conviver com as falhas, suas e minhas, e ainda continuar de pé, à beira do lago, e gritar para a prateada Lua cheia... “Sim”!

Não me importa saber onde você vive ou quanto dinheiro tem. Eu quero saber se você pode se levantar, depois de uma noite de pesar e desespero, exausto e machucado até os ossos, e fazer o que tem de ser feito para alimentar as crianças.

Não me interessa quem você conhece ou como veio parar aqui. Eu quero saber se você estará ao meu lado no meio do fogo, sem recuar.

Não me importa saber onde, o que ou com quem você estudou. Eu quero saber o que sustenta o seu interior quando todo o resto desaba.

Quero saber se você consegue estar só, consigo mesmo, e se gosta, verdadeiramente, da sua própria companhia nesses momentos vazios. ”

Tradução: Eng. Celio Franco

( Oriah Mountain Dreamer - 'Biografia' - ****/**** )

16/Janeiro/2006:

“ ANTIELEGIA AO PAMPA ”
- publicação original: Academia Brasileira de Letras -

“O tempo é uma tulipa
que ninguém me disse.
O pampa deixou-me
com a noite de ossos
e formigas. O favo
do violão, abelhas
e trinos. O pampa
tem tulipas na língua.
E perdeu chuva adentro
meu nome. Deixou-me
a falar com os mortos sozinho.
O pampa deixou-me
de viver, deixou
todo o passado
nos pulmões das estações.
Era o mais compacto
de amor e me vi
devastado, esquecido.
Tudo o que ficou
de pampa em mim,
sem som e sem amigo,
é soterrado. ”

( Carlos Nejar - 'Biografia' - 1939/**** )

17/Janeiro/2006:

“ LOUVAÇÃO AO AMIGO ”
- publicação original: Academia Brasileira de Letras -

“ Num estilo que é todo seu,
elimina o lero-lero,
seja falando de Alceu,
de Tobias ou Romero.

Não há matéria que o assuste,
é mais ágil que um foguete.
Passeia aos lados de Proust,
conhece tudo de Goethe.

Pessoa interpares prima,
mestre por todos benquisto,
merece o louvor da rima
o nosso amigo Evaristo.

Saber mais fino e preclaro,
como hoje não se vê mais,
só havereis de encontrá-lo
em Evaristo de Moraes.

Novent’anos de nossa fé
neste ser de raro brilho:
o grande brasileiro que é
Evaristo de Moraes Filho. ”

( Antonio Carlos Secchin - 'Biografia' - 1952/**** )

18/Janeiro/2006:

“ CORAÇÃO DE MENINA ”

“ Esse meu coração pequenino, como de uma menina,
Mais é maior que muita gente felina,
Que é como fera,
Come os olhos de quem passa
Atropelando a toda gente.
Sou bondade rimando com felicidade
De ter um puro e simples sentir saudade.
Tenho lembranças que vêm em sonhos,
Sonhos de criança.
Esses que não voltam mais. ”

( Cris Passinato - 'Biografia' - 1973/**** )

19/Janeiro/2006:

“ MAR PORTUGUEZ ”
- Segunda Parte - Possessio Maris -

“ I. O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguez..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. HORIZONTE

O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.

III. PADRÃO

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

IV. O MOSTRENGO

Mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS

Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

Vl. OS COLOMBOS

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

VII. OCIDENTE

Com duas mãos — o Ato e o Destino —
DesvendAmos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o fecho trêmulo e divino
E a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES

No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras desformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam na morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto
— Cingiu-o, dos homens, o primeiro —,
Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.

IX. ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovôes,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

X. MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

XI. A ÚLTIMA NAU

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol azíago
Erma, e entre choros de ânsia e de presago
Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

XII. PRECE

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa! ”

( Fernando Pessoa - 'Biografia' - 1888/1935 )

20/Janeiro/2006:

“ DEDICATÓRIA ”
- Espumas Flutuantes - 1870 -

“ A pomba d’aliança o vôo espraia
Na superfície azul do mar imenso,
Rente... rente da espuma já desmaia
Medindo a curva do horizonte extenso...
Mas um disco se avista ao longe... A praia
Rasga nitente o nevoeiro denso!...
Ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba forasteira!...
Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...
O mar atira-lhe a saliva amarga,
O céu lhe atira o temporal de inverno...
O triste verga a tão pesada carga!
Quem abre ao triste um coração paterno?...
É tão bom ter por árvore — uns carinhos!
É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!
Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito!
Que importa? De uma cruz ao longe os braços
Vejo abrirem-se ao mísero precito...
Os túmulos dos teus dão-te regaços!
Ama-te a sombra do salgueiro aflito...
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste
Traz-me no bico um ramo de... cipreste! ”

( Antônio de Castro Alves - 'Biografia' - 1847/1871 )

23/Janeiro/2006:

“ SÃO PAULO ”
- Um homem na multidão - 1926 -

“ A neblina das manhãs de inverno
_ ó São Paulo enorme, ó São Paulo de hoje, ó São Paulo ameaçador! _
a neblina das manhãs de inverno
amortece um pouco o orgulho triunfante das tuas chaminés.
A neblina esconde o contorno das grandes fábricas ao longe,
perdidas na planície, entre o chato casario proletário.
E tudo cor de barro novo, como se fosse manchado de sangue.
Nas ruas do centro agita-se a pressa do comércio.

Nos bairros burgueses, no entanto, há o silêncio.
As alamedas adormecem sob o silêncio.
Os jardins adormecem sob o silêncio. ”

( Rui Ribeiro Couto - 'Biografia' - 1898/1963 )

24/Janeiro/2006:

“ PRAÇA DA REPÚBLICA ”
- Chuva de Pedra - 1925 -

“ Os chorões lavaram seus cabelos verdes
nas piscinas de cimento
dentadas de rochedos feitos por marmoristas
e desenhados por Debugras

Há peixes dispépticos que só comem pão-de-ló
servidos pelos dedos lunares das Salomés-normalistas
que sabem de cor as façanhas de Tom-Mix e Tiradentes.

As astúrias cortaram suas tranças "à la garçonne"
e ouvem lições de geometria no espaço
de sábios buxos cubistas...

Praça da República cheia de mulheres públicas
de detritos humanos, como um porto cosmopolita onde os táxis atracam,
velhas catraias urbanas
que vogam nos canais de asfalto das alamedas.

Álvares de Azevedo, o último Romântico,
condenado às galés da imortalidade,
cospe na praça noturna,
do alto de sua herma,
o seu desdém de bronze. ”

( Menotti del Picchia - 'Biografia' - 1892/1988 )

25/Janeiro/2006:

“ SÃO PAULO ”
- Poemas Análogos - 1927 -

“ Canto a cidade das neblinas
e dos viadutos
minha cidade
amante de futebol e vendedora de café
Os aventureiros bigodudos
como nas fitas da Paramount
o Friedenreich pé de anjo
e a bolsa de mercadorias
as chaminés parturientes do Brás
os quinze mil automóveis orgulhosos
no barulho ensurdecedor dos klaxons
e a cultura envernizada dos burgueses
os engraxates da Praça Antônio Prado
e o serviço telegráfico do "Estado"
a febre do dinheiro
as falências sírio-nacionais
a especulação sobre os terrenos
a politicagem e os politiqueiros
e a negra de pó de arroz
e até os bondes da Light
para o Tietê das regatas e dos bandeirantes
os homens dizem que tu és ingrata
e que devoras os teus próprios filhos...
Mas que linda madrasta tu és
toda vestida de jardins!
Minha cidade
Amo também teus plátanos nostálgicos
imigrantes infelizes
teus crepúsculos de seda japonesa
tuas ruas longas de casas baixas
e teu triângulo provinciano... ”

( Menotti del Picchia - 'Biografia' - 1892/1988 )

26/Janeiro/2006:

“ SÃO PAULO ”
- Poemas Análogos - 1927 -

“ Dos violoncelos dos viadutos
sobe a sinfonia da circulação
São Paulo!
A Rua São João cheira a café
Confundem-se os estilos nessa riqueza sem cultura
agricultura
agricultra
Que loucura!

Longínquo o desafio dos trens e das usinas
O sol faz brilhar multicor a bandeira das ruas
Inevitável associação de idéias:
Bandeirantes!
Mas para que conquistas?
Spaghettis nacionalistas?
avassalaram nosso Ipiranga
Ironia dos "Independência ou morte"! ”

( Sérgio Milliet - 'Biografia' - 1898/1966 )

27/Janeiro/2006:

“ OS SAPOS ”
- Poesia e Prosa -

“ Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos,
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado."

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
As formas e forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
"Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
- "Não foi" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro

Ou tudo bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta meu martelo".

Outros sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio... ”

( Manuel Bandeira - 'Biografia' - 1886/1968 )

30/Janeiro/2006:

“ GAETANINHO ”
- Brás, Bexiga e Barra Funda - 1927 -

“ - Xi, Gaetaninho, como é bom!
Gaetaninho ficou banzando bem no meio da rua. O Ford quase o derrubou e ele não viu o Ford... O carroceiro disse um palavrão e ele não ouviu o palavrão.
- Eh! Gaetaninho! Vem pra dentro.
Grito materno sim: até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o chinelo.
- Subito!¹
Foi se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho, estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo, recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.
Eta salame² de mestre!

Alí na Rua do Oriente, a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho.
O Beppino, por exemplo. O Beppino naquela tarde atravessara de carro a cidade. Mas como? Atrás da ria Peronetta que se mudava para o Araçá³. Assim também não era vantagem.
Mas se esse era o único meio? Paciência.

Gaetaninho enfiou a cabeça embaixo do travesseiro.
Que beleza, rapaz! Na frente quatro cavalos pretos empenachados levavam a tia Filomena para o cemitério. Depois o padre. Depois o Savério noivo dela de lenço nos olhos. Depois ele. Na boléia do carro. Ao lado do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro onde se lia: Encouraçado São Paulo. Ficava mais bonito com a roupa marinheira mas com a palhetinha nova que o irmão o trouxera da fábrica. E ligas pretas segurando as meias. Que beleza, rapaz! Dentro do carro do pai, os dois irmãos mais velhos (um de gravata vermelha, outro de gravata verde) e o padrinho Seu Salomone. Muita gente nas calçadas, nas portas, e nas janelas dos palacetes, vendo o enterro. sobretudo admirando o Gaetaninho.

Mas Gaetaninho ainda não estava satisfeito. Queria ir carregando o chicote. O desgraçado do cocheiro não queria deixar. Nem por um instantinho só.
Gaetaninho ia berrar mas a tia Filomena com a mania de cantar o Ahi, Mari! todas as manhãs o acordou.
Primeiro ficou desapontado. Depois quase chorou de ódio.
Tia Filomena teve um ataque dos nervos quando soube do sonho de Gaetaninho. Tão forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da família alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por outra pessoa numa nova versão de seu sonho. Matutou, matutou, e escolheu o acendedor da Companhia de Gaz, Seu Rubino, que uma vez lhe deu um cocre danado de doído.

Os irmãos (esses) quando souberam da história resolveram arriscar de sociedade quinhentão no elefante. Deu a vaca. E eles ficaram loucos de raiva por não haverem logo adivinhado que não podia deixar de dar a vaca mesmo.
O jogo na calçada parecia de vida ou morte. Muito embora Gaetaninho não estava ligando.
- Você conhecia o pai do Afonso, Beppino?
- Meu pai deu uma vez na cara dele.
- Então você não vai amanhã no enterro. Eu vou!
O Vicente protestou indignado:
- Assim não jogo mais! O Gaetaninho está atrapalhando!
Gaetaninho voltou para o seu posto de guardião. Tão cheio de responsabilidades.

O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
- Passa pro Beppino!
Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola, com todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua.
- Vá dar tiro no inferno!
- Cala a boca, palestrino!
- Traga a bola!
Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.
No bonde vinha o pai de Gaetaninho.
A Gurizada assustada espalhou a notícia na noite.
- Sabe o Gaetaninho?
- Que é que tem?
- Amassou o bonde!

A vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.
Às dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro da Rua do Oriente e Gaetaninho não ia na boléia de nenhum dos carros do acompanhamento. Ia no da frente, dentro de um caixão fechado com flores pobres por cima. Vestia a roupa marinheira, com as ligas, mas não levava a palhetinha.
Quem na boléia de um dos carros do cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino. ”

(1) Subito (italiano): no texto, significa "já estou indo". Pode-se observar que o autor usa muitas palavras e frases em italiano, nos seus contos.
(2) Salame: drible (gíria de futebol dos anos 20).
(3) Araçá: nome de um cemitério da cidade de São Paulo.

( Antonio Alcântara Machado - 'Biografia' - 1901/1935 )

31/Janeiro/2006:

“ AVENIDA PAULISTA ”
- Chuva de Pedra - 1925 -

“ Todos os estilos ancoraram no cais mole
do asfalto fidalgo...
Dentro daquele parque
fuma goiano um califa enriquecido
com uma fábrica de alpargatas da rua 25 de Março.

O sr. Conde está bebendo Chianti
servido por um criado de libré.

Até as colunas de mármore são de cimento armado.

E domingo, em Roles Royce ou em Ford
passaremos em revista
na parada do corso
todos os candidatos à consagração da Avenida. ”

( Menotti del Picchia - 'Biografia' - 1892/1988 )

 

 

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