" MENSAGEM DO DIA "
MENSAGENS e POESIAS

ABRIL de 2006


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03/Abril/2006:

“ NO BARCO ”
- Cachoeira de Paulo Afonso - 1870 -

“ — Lucas — Maria! murmuraram juntos...
E a moça em pranto lhe caiu nos braços.
Jamais a parasita em flóreos laços
Assim ligou-se ao piquiá robusto...

Eram-lhe as tranças a cair no busto
Os esparsos festões da granadilha...
Tépido aljôfar o seu pranto brilha,
Depois resvala no moreno seio...

Oh! doces horas de suave enleio!
Quando o peito da virgem mais arqueja,
Como o casal da rola sertaneja,
Se a ventania lhe sacode o ninho.

Cantai, ó brisas, mas cantai baixinho!
Passai, ó vagas..., mais passai de manso!
Não perturbeis-lhe o plácido remanso,
Vozes do ar! emanações do rio!

"Maria, fala!" — "Que acordar sombrio",
Murmura a triste com um sorriso louco,
"No Paraíso eu descansava um pouco...
Tu me fizeste despertar na vida ...

"Por que não me deixaste assim pendida
Morrer co'a fronte oculta no teu peito?
Lembrei-me os sonhos do materno leito
Nesse momento divinal... Qu'importa?...

"Toda esperança para mim 'sta morta...
Sou flor manchada por cruel serpente...
Só de encontro nas rochas pode a enchente
Lavar-me as nódoas, m'esfolhando a vida.

"Deíxa-me! Deixa-me a vagar perdida
Tu! — Partel Volve para os lares teus.
Nada perguntes... é um segredo horrível...
Eu te amo ainda... mas agora — adeus!" ”

( Castro Alves - 'Biografia' - 1847/1871 )

04/Abril/2006:

“ IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA ”
- Eu - 1912 -

“ Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
- Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais! -

Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação! ”

ps: será que até o grande poeta, nesta obra prima, já estava profetizando a politicalha atual... (CSF)

( Augusto dos Anjos - 'Biografia' - 1884/1914 )

05/Abril/2006:

“ VELHO TEIMA ”
- Poemas e Canções - 1908 -

“ I

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

II

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

III

Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Tem a alvura do mármore; lascivas
Formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas...

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.

IV

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas verdades de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele que é cego
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

V

"Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito."

Assim penso, assim quero, assim me engano...
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano. ”

( Vicente de Carvalho - 'Biografia' - 1866/1924 )

06/Abril/2006:

“ SONHO BRANCO ”
- Broquéis - 1893 -

“ De linho e rosas brancas vais vestido,
Sonho virgem que cantas no meu peito!...
És do Luar o claro deus eleito,
Das estrelas puríssimas nascido.

Por caminho aromal, enflorescido,
Alvo, sereno, límpido, direito,
Segues radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido...

As aves sonorizam-te o caminho...
E as vestes frescas, do mais puro linho
E as rosas brancas dão-te um ar nevado...

No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado! ”

( Cruz e Sousa - 'Biografia' - 1862/1898 )

07/Abril/2006:

“ A ÁGUA ”
- El Agua - Ternura - 1924 -

“ Criança minha, que susto levaste
com a água, onde eu te trouxe,
E todo esse susto pela alegria
de ver a cascata que se reparte !
Cai e Cai, como uma mulher,
cega na espuma das fraldas.
Esta é a água, esta é a água,
santa que veio de passagem.
Segue correndo, abaixada,
e com sinais de espumas.
Em momentos se aproxima
e em momentos de faz distante.
Passando leva o campo
e leva à mãe e a criança...

Bebem da água as duas margens,
bebe a sede, a goles grandes,
bebem o gado e as parelhas,
e não se acaba, a Água Amante ! ”

- tradução - Eng. Celio Franco

( Gabriela Mistral - 'Lucila Godoy Alcayaga' - 1889/1957 )

10/Abril/2006:

“ A SERPENTE QUE DANÇA ”
- tradução: Jamil Almansur Haddad -

“ Que eu te amo ver, lânguida amante,
Do corpo que excele
Como um tecido vacilante,
Transluzir a pele!

Sobre o teu cabelo profundo
De acre, perfumado,
mar odorante e vagabundo,
Moreno e azulado,

Como um navio que desponta,
Ao vento matutino
Em sonho minha alma se apronta,
Para um céu sem destino.

Nos teus olhos ninguém lobriga
Doçura ou martírio,
São jóias frias que são liga
De ouro e letargírio.

Ao ver teu corpo que balança,
Bela de exaustão,
Dir-se-ia serpente que dança
Em torno de um bastão.

Todos os ócios com certeza
Tua fronte movem
Que passeia com a moleza
De elefante jovem,

E o teu corpo se alonga e pende
Tal nave sem mágoas,
Que as margens deixa e após estende
Suas vergas na água.

Onda crescida da fusão
De gelos frementes
Se a água de tua boca então
Alcança os teus dentes,

Bebo uma taça rubra e cheia
Muito amarga e calma,
Um líquido céu que semeia
Astros em minha alma! ”

( Baudelaire - 'Charles Pierre Baudelaire' - 1821/1867 )

11/Abril/2006:

“ VAIDADE”
- Livro de Mágoas - 1919 -
a um grande poeta de Portugal

“ Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !

Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...”

( Florbela Espanca - 'Biografia' - 1894/1930 )

12/Abril/2006:

“ DEPOIS DA FESTA ”
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -

“ Não te entregues na Terra à vil mentira,
Desfaze a teia da filância humana,
Que a Morte, em breve, humilha e desengana
A demência da carne que delira...

O gozo desfalece à própria gana,
Toda vaidade ao báratro se atira,
Sob a ilusão mendaz chameja a pira
Da verdade, celeste, soberana.

Finda a festa de baldo riso infando,
A alma transpõe o túmulo chorando,
Qual folha solta ao furacão violento.

E quem da luz não fez templo e guarida,
Desce gemendo, de alma consumida,
Ao turbilhão de cinza e esquecimento. ”

Álvaro Teixeira de Macedo: nasceu no Recife, em 13 de Janeiro de 1807 e desencarnou em 7 de Dezembro de 1849, na Bélgica, onde era encarregado dos negócios do Governo Imperial do Brasil. Publicou, em livro, um poema heróico-burlesco, intitulado 'A Festa de Baldo'.

( Chico Xavier / Álvaro Teixeira de Macedo - 'Biografia' - 1910/2002 )

13/Abril/2006:

“ PEQUENAS HISTÓRIAS DE AMOR VERDADEIRO”
- CD - 2005 -

“ Alguém como eu que conhece os mistérios da vida,
As ilusões, as paixões, as feridas,
Quando canta tem que falar de amor !
Que viu desencontros tristezas, segredos guardados,
E viu a saudade lavando os pecados,
Sabe que o amor faz o perdão calar a dor!

O amor não se explica,
Com o amor tudo fica tão simples.
A existência é curta,
Quando vê já se acabou.
A gente se apega nas coisas
Pensando – é pra sempre,
E descobre de repente,
Que pra sempre, só o amor !

Ao ver a criança nascida sem ninguém no mundo,
A mulher traída a amou num segundo,
Não é justo o inocente padecer...
Depois veio o tempo, a viuvez, a velhice, o cansaço,
O menino cresceu e hoje a ampara em seus braços,
De onde vem tal amor ele nunca vai saber.

Eu vi esse pai se entregar com a alma vencida,
A filha se foi, partiu sem despedida,
Com só cinco anos, a gente não espera acontecer.
Então ele olhou com tristeza no olhar do assassino,
E disse, eu perdôo o teu desatino, vocês não me entendem,
Mas ela vai entender !

Quem ama enxerga esse mundo bem de outro jeito,
E não carrega suas mágoas no peito,
A vida é pra frente, nada se constrói com o que passou !
Eu lembro de Gandhi, de Cristo, de Krishna, de Chico,
De Buda, Teresa, Confúcio, Francisco
E não desisto de crer no que essa gente ensinou !

A vida é mesmo uma coisa com seus descaminhos,
Mas o amor não nos deixa sozinhos,
Não deixe o amor se sufocar ante o viver !
A gente se engana e esquece o que é mais importante
E não vê que o universo é maior que esse instante,

Por isso pergunte - valente – amor, cadê você ? ”

( Plínio Oliveira - 'O Poeta Cantor' - 1969/**** )

17/Abril/2006:

“ A ARANHA ”

“ A ARANHA do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte. ”

( Fernando Pessoa - 'Biografia' - 1888/1935 )

18/Abril/2006:

“ AOS CRENTES ”
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -

“ Ó crentes de uma outra vida,
Que andais no mundo exilados,
Nos caminhos enevoados,
Lendo o missal da amargura !

Esperai a sepultura,
Ó crentes de uma outra vida !...

Tangei harpas de esperança,
Nas lutas de vossa esfera,
Porque a Morte é a primavera
Luminosa, eterna e imensa...

Filhos da paz e da crença
Tangei harpas de esperança !... ”

( Alphonsus de Guimaraens / Chico Xavier - 'Biografia' - 1870/1921 )

19/Abril/2006:

“ EPÍGRAFE ”
- A Cinza das Horas - 1917 -

“ Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugia e como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
- Esta pouca cinza fria. ”

( Manuel Bandeira - 'Biografia' - 1886/1968 )

20/Abril/2006:

“ SONETO ”
- Ao meu primeiro filho, nascido morto com 7 meses incompletos - 1911 -

“ Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?...

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER! ”

( Augusto dos Anjos - 'Biografia' - 1884/1914 )

21/Abril/2006:

“ RETRATO ”

“ Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face? ”

( Cecília Meireles - 'Biografia' - 1901/1964 )

24/Abril/2006:

“ O GRANDE MOMENTO ”

“ A varanda era batida pelos ventos do mar.
As árvores tinham flores que desciam para a
morte, com a lentidão das lágrimas.
Veleiros seguiam para crepúsculos com as
asas cansadas e brancas se despedindo,
O tempo fugia com uma doçura jamais de
novo experimentada.
Mas o grande momento era quando os meus
olhos conseguiam
entrar pela noite fresca dos seus olhos... ”

( Augusto Frederico Schmidt - 'Biografia' - 1906/1965 )

25/Abril/2006:

“ CARINHOSO ”
- composto entre 1916 e 1917 -

“ Meu coração, não sei por que,
Bate feliz, quando te vê...
E os meus olhos, ficam sorrindo
E pelas ruas, vão te seguindo...
Mas mesmo assim..., foges de mim...

Ah se tu soubesses como eu sou
Tão carinhoso e o muito,
Muito que te quero...
E como é sincero o meu amor,
Eu sei que tu não fugirias mais de mim...

Vem, Vem,Vem...
Vem sentir o calor, dos lábios meus
À procura dos teus.
Vem matar essa paixão,
Que me devora, o coração, e
Só assim então, serei feliz...
Bem Feliz... !!!

Meu coração... ”

( Pixinguinha / João de Barro - 'Alfredo da Rocha Vianna Jr.' - 1897/1973 )

26/Abril/2006:

“ O ANJO ENGRAXATE ”
- Antologia Poética - 1964 -

“ Como soubeste,
ó anjo da rua,
que tenho os pés
de crocodilo?

Como soubeste,
ó anjo da rua,
que o meu sapato
já foi lacustre?
e que preciso hoje
ficar ilustre?

Como soubeste,
ó anjo da rua,
que eu quero ter
(pra que ninguém,
hoje, me eclipse)
os pés de barro
resplandecentes
como os dos anjos
do Apocalipse?

II

Pequei com alma,
pequei com o pensamento,
pequei com o corpo.
só não pequei com os pés.
Vivo de pés no chão
e cabeça no céu.
(No céu ou na lua?)

Ainda agora senti
certo gosto de céu
como se houvesse beijado
uma santa, na rua.

Tenho os pés inocentes
mas em minha cabeça
moram os meus pecados
azuis e dourados.

Nem há mal algum
em ter pés inocentes.
Pois Cristo não lavou
os pés aos seus apóstolos?

Vivo de pés no chão
e cabeça no céu.
Mas não é o meu chapéu
que ponho atrás da porta
na noite de maior
inocência.
São os meus sapatos. ”

(Reflexões que fiz, em pé, pecador tranqüilo, parado numa esquina, enquanto o pequeno engraxate ambulante, um italianinho de olhos azuis, me lustrava os sapatos de crocodilo.)

( Cassiano Ricardo - 'Biografia' - 1895/1974 )

27/Abril/2006:

“ A GLEBA ME TRANSFIGURA ”
- - -

“ Sinto que sou abelha no seu artesanato.
Meus versos tem cheiro de mato, dos bois e dos currais.
Eu vivo no terreiro dos sítios e das fazendas primitivas.

(...)

Minha identificação profunda e amorosa
com a terra e com os que nela trabalham.
A gleba me transfigura. Dentro da gleba,
ouvindo o mugido da vacada, o mééé dos bezerros.
O roncar e focinhar dos porcos, o cantar dos galos,
o cacarejar das poedeiras, o latir do cães,
eu me identifico.
Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato, sou paiol
e sou a velha tulha de barro.

Pela minha voz cantam todos os pássaros,
piam as cobras e coaxam as rãs,
mugem todas as boiadas que
vão pelas estradas.
Sou espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos têm relances de enxada, gume de foice
e o peso do machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.

(...)

Amo a terra de um velho amor consagrado.
Através de gerações de avôs rústicos, encartados
nas minas e na terra latifundiária, sesmeiros.
A gleba está dentro de mim. Eu sou a terra.

(...)

Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retorna à terra.
Minha pena é enxada do plantador, é o arado que vai sulcando.
Para a colheita das gerações.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milênios
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada
e fecundada no ventre escuro da terra. ”

( Cora Coralina - 'Biografia' - 1889/1985 )

28/Abril/2006:

“ CONSOLO NA PRAIA ”
- Antologia Poética - 1962 -

“ Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour ?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te - de vez - nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho. ”

( Carlos Drummond de Andrade - 'Biografia' - 1902/1987 )

 

 

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