" MENSAGEM DO DIA "
MENSAGENS e POESIAS

AGOSTO de 2005


www.nossosaopaulo.com.br

Voltar ao Atual

01/Agosto/2005:

“ ESPERANÇA ”

“Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA... ”

( Mário Quintana - 'Biografia' - 1906/1994 )

02/Agosto/2005:

“ SOB O SIGNO DA INQUIETAÇÃO ”

“ O susto em nós foi avançar
muito para dentro do proibido.
Muito para perto de uma zona perigosa
A boca da noite... o desconhecido...
Vagos caminhos de uma via nebulosa.

Vários conceitos para falar da mesma coisa
O susto em nós foi descobrir porteiras
de territórios nunca antes percorridos
No fundo de todos nós um visitante
No fundo, a falta de sentido...

Visitantes de nós mesmos cometíamos
a imprudência de quase enlouquecer
Para chegar à compreensão.
E uma coisa afiada nos conduzia
através da trilha da poesia
e do difícil trajeto da paixão... ”

( Bruna Lombardi - 'Biografia' - 1952/**** )

03/Agosto/2005:

“ EM SONHOS... ”

“ Nos Santos óleos do luar, floria
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade...
E em toda a etérea, branda claridade
Como que erravam fluidos de harmonia...

As Águias imortais da Fantasia
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir a Imensidade
Onde o clarão de tantos sóis radia.

Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
Com chamas, vibrações, do alto, cantando...

Nos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando ! ”

( Cruz e Sousa - 'Biografia' - 1862/1898 )

04/Agosto/2005:

“ MEDIDA DRÁSTICA ”
- trecho do novo livro, psicografado -

“ (...) Dessa forma, aquela boa mãe dava por encerrada a conversa com o filho. Havia conseguido o que esperava, e a ela, agora, competia apenas as novas providências para o seu reingresso num corpo físico.

A preparação de uma encarnação, que parece ser simples, tem meandros, às vezes, difíceis de serem percorridos, para que dela se aproveite o máximo das suas possibilidades, o máximo que pode oferecer, a fim de que seja benéfica a quem tiver esse ensejo.

Na Terra, não vivemos só. Formamos uma corrente extensa de elos entrelaçados, e como todos temos que estar bem ajustados, para que nada entrave nossos objetivos e aproveitemos a existência, não apenas para uma finalidade, mas para tantas quantas tivermos condições de abarcar.

Tudo o que no orbe terrestre realizamos, decorre em favor ou desfavor de nós mesmos. Aqueles que já têm o pleno conhecimento dessa verdade, esforçam-se e desejam retirar da oportunidade reencarnatória, tudo o que ela pode oferecer em benefícios para o seu Espírito, e para isso se esforçam.

A finalidade maior da próxima existência terrena daquele mãe, já estava decidida e estabelecida, e a tarefa seria grande. No entanto, já que na Terra estaria, porque não unir outras necessidades para a redenção e maior elevação do seu próprio Espírito ? (...) ”

( Eça de Queirós / Wanda Canutti - 'Biografia' - 1932/2004 )

05/Agosto/2005:

“ TEUS LINDOS OLHOS ”

“ Teus lindos olhos,
vívidos e esplendentes,
espelham um íntimo
de majestade.
Encantam minha alegria
nos limites do ser feliz.

És valioso momento
da minha trajetória
mais que infinita.
Tens mel de mil sentidos
alma e corpo.
És Terra e Céu,
graça e talento
minutos que valem séculos.

Jovem é a eternidade
do teu charme,
Oh! doce e gostosa sedução! ”

( Wanderlino Arruda - 'Biografia' - 1934/**** )

08/Agosto/2005:

“ UNIMULTIPLICIDADE ”
- a versão da corrupção -
ouvir -

“Neste Brasil corrupção,
pontapé bundão.
Puto saco de mau cheiro,
do Acre ao Rio de Janeiro.

Neste país de manda-chuvas,
cheio de mãos e luvas.
Tem sempre alguém se dando bem,
de São Paulo a Belém.

Eu pego meu violão de guerra,
pra responder essa sujeira.
E como começo de caminho
quero a unimultiplicidade,
onde cada homem é sozinho,
a casa da humanidade.
Onde cada homem é sozinho,
a casa da humanidade !

Não tenho nada na cabeça,
a não ser o céu.
Não tenho nada por sapato,
a não ser o passo.
Neste país de pouca renda,
senhoras costurando,
pela injustiça vão rezando,
da Bahia ao Espírito Santo.

Brasília tem suas estradas,
mas eu navego é noutras águas.
E como começo de caminho,
quero a unimultiplicidade,
onde cada homem é sozinho,
a casa da humanidade.
Onde cada homem é sozinho,
a casa da humanidade ! ”

( Tom Zé - 'Biografia' - 1936/**** )
( Ana Carolina -
'Biografia' - ouvir - 1974/**** )

09/Agosto/2005:

“ O AMOR EM TEMPO DE AIDS ”
- trecho da carta deixada à esposa Maria Nakano -

“(...) E foi aí que você, Maria, mais do que nunca, revelou-se e mostrou do que é capaz. Capaz de superar a tragédia, sofrendo, mas enfrentando com tudo e principalmente com um grande carinho e cuidado. A AIDS selou um amor mais forte e mais definitivo porque desafia tudo, o medo, a tentação do desespero, o desânimo diante do futuro. Continuar tudo, apesar de tudo, o beijo, o carinho, a sensualidade quando se tem cabeça pra tentar o que parece impossível.

Assumi publicamente minha condição de soropositivo. Você acompanhou mesmo sabendo que a discriminação poderia vir a nos atingir, inclusive ao Henrique. Nunca pôs um senão, um comentário sobre cuidados necessários. Acompanhou, deu a mão, seguiu junto como se fosse metade de mim, inseparável. E foi.

Criei a ABIA e passei a trabalhar contra a epidemia, como não podia, através da prevenção. Falei por toda parte e em todo lugar. Passei dois anos totalmente dedicados a essa guerra.

Foi assim desde os tempos de cólera, da não esperança, passando pela morte de Henfil e Chico que seria pela lógica, seguida da minha, passando pelas crises que beiravam a morte, até o coquetel que reabriu as esperanças. Tempo curto para descrever, mas uma eternidade para se viver. Um novo aprendizado da vida com a morte, a convivência com a morte em vida, um novo sentido para a vida de cada dia, o valor de cada minuto e hora. E em meio a tudo ainda encontrar ânimo para rir, para se indignar com a política desse pobre e rico país, para passar os fins de semana em Itatiaia, plantar café com assistência técnica do Baltazar e do meu amigo Humberto, do Globo Rural. Tudo certo, tudo científico, esperando colher nos próximos anos como se estivéssemos vivos para fazer a colheita.

Ter a esperança de chegar no ano 2000 para ver a passagem do século, ou 2004 para ver os Jogos Olímpicos ajudando o Rio a acabar com a miséria absoluta. Mexer na casa como se fôssemos viver nela para sempre, pensar na vida como definitiva até que acabe.

Mas em tudo isso quanta presença junto a mim, quanta paz ao meu lado, quanta companhia feliz por estar junto. Pensando bem e vendo o que se passa ao nosso redor, é difícil acreditar que tudo isso esteja acontecendo de verdade; parece fantasia feliz, mas sei que é real, sinto o gosto na boca, a sensação no corpo e na alma.

Maria é o meu coquetel, sem ela estaria lá no São João Batista sofrendo o frio e a eternidade. Ela passa por cima da AIDS e a transforma numa doença banal, como todas as outras, que mata do seu modo e às vezes até mais rápido. Ela é um coquetel sem efeitos colaterais.

Um dos maiores problemas da AIDS é o sexo. Ter relações com todos os cuidados ou não ter? Todos os cuidados são suficientes, e seguros, ou contêm riscos que não se deve correr com a pessoa que se ama?

Passamos por todas as fases, desde o sexo com uma e duas camisinhas, até sem nenhum, só carinho. Preferi a segurança total ao mínimo de risco. Parei, paramos e sem dramas, com carências, mas sem dramas, como se fosse viver contrariando tudo que aprendemos como homem e mulher. Vivemos a sensualidade da música, da boa comida, da literatura, da invenção, dos pequenos prazeres e da paz. Descobri que é possível e que se pode esperar o dia da cura para se voltar àquelas noites. Tomara que a cura venha a tempo. Viver é muito mais do que fazer sexo, temos milhares de órgãos sexuais espalhados por toda parte e não só onde quase todo o mundo pensa que está localizado.

Mas para se viver isso é necessário que Maria também sinta assim e seja capaz de viver essa metamorfose, como foi. (...) ”

( Herbert de Souza / Betinho - 'Biografia' - 1935/1997 )

10/Agosto/2005:

“ MINHA TERRA ”

“Quanto é grato em terra estranha
Sob um céu menos querido,
Entre feições estrangeiras,
Ver um rosto conhecido;

Ouvir a pátria linguagem
Do berço balbuciada,
Recordar sabidos casos
Saudosos — da terra amada!

E em tristes serões d'inverno,
Tendo a face contra o lar,
Lembrar o sol que já vimos,
E o nosso ameno luar!

Certo é grato; mais sentido
Se nos bate o coração,
Que para a pátria nos voa,
P'ra onde os nossos estão!

Depois de girar no mundo
Como barco em crespo mar,
Amiga praia nos chama
Lá no horizonte a brilhar.

E vendo os vales e os montes
E a pátria que Deus nos deu,
Possamos dizer contentes:
Tudo isto que vejo é meu!

Meu este sol que me aclara,
Minha esta brisa, estes céus:
Estas praias, bosques, fontes,
Eu os conheço — são meus!

Mais os amo quando volte,
Pois do que por fora vi,
A mais querer minha terra,
E minha gente aprendi. ”

( Gonçalves Dias - 'Biografia' - 1823/1864 )

11/Agosto/2005:

“ NA MARGEM ”

“ 'Vamos! Vamos! Aqui por entre os juncos
Ei-la a canoa em que eu pequena outrora
Voava nas maretas... Quando o vento,
Abrindo o peito à camisinha úmida,
Pela testa enrolava-me os cabelos,
Ela voava qual marreca brava
No dorso crespo da feral enchente!
Voga, minha canoa! Voga ao largo!
Deixa a praia, onde a vaga morde os juncos
Como na mata os caititus bravios...
Filha das ondas! andorinha arisca!
Tu, que outrora levavas minha infância
— Pulando alegre no espumante dorso
Dos cães-marinhos a morder-te a proa, —
Leva-me agora a mocidade triste
Pelos ermos do rio ao longe... ao longe...'
Assim dizia a Escrava...
Iam caindo
Dos dedos do crepúsculo os véus de sombra,
Com que a terra se vela como noiva
Para o doce himeneu das noites límpidas...
Lá no meio do rio, que cintila,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa.
Parecia, assim vista ao sol poente,

Esses ninhos, que tombam sobre o rio,
E onde em meio das flores vão chilrando
— Alegres sobre o abismo — os passarinhos!...
. . . . . . . . . . .
Tu — guardas algum segredo?...
Maria, ’stás a chorar!
Onde vais? Por que assim foges,
Rio abaixo a deslizar?
Pedra — não tens o teu musgo?
Não tens um favônio — flor?
Estrela — não tens um lago?
Mulher — não tens um amor? ”

( Castro Alves - 'Biografia' - 1847/1871 )

12/Agosto/2005:

“ DEPOIS DE UM TEMPO, VOCÊ APRENDE... ”
- After a while you learn... -

“ Depois de um tempo, você aprende a diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. Aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. Começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de uma mulher e não com a aflição de uma criança.

Aprende a construir todas as suas estradas 'hoje', porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão. Depois de um tempo, você aprende que o Sol queima caso fique exposto por muito tempo. (1)

Aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... Aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la, por isso. Também aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que se leva anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas num instante das quais poderá se arrepender pelo resto da vida.

Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o QUE você tem na vida, mas QUEM você tem na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendermos que os amigos mudam; percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.
Descobre que as pessoas com quem você mais se importa, podem sair da sua vida muito depressa; por isso, sempre devemos deixar quem amamos com palavras amorosas, pois pode ser a última vez que os vemos.

Aprende que as circunstâncias e o ambiente acabam influindo sobre nós, mas que nós somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não nos devemos comparar com os outros, mas com o melhor que podemos ser.

Descobre que leva muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto.
Aprende que não importa aonde já chegou, mas onde está indo;mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.

Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação – sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita pratica. Descobre que, algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute, quando você cai, é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.

Aprende que maturidade tem mais a ver com as experiência vivenciadas e com o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou.

Aprende que há mais dos seus pais em você do que supunha. Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que 'o seu sonho' é uma bobagem, e que seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não lhe dá o direito de ser cruel.

Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer, não significa que não o ame, pois existem pessoas que nos amam, mas que, simplesmente, não sabem como demonstrar ou viver este sentimento.

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo.

Aprende que, com a mesma severidade com que você julga, um dia você será condenado.

Aprende que não importa em quantos pedaços o seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

(1) Por isso, aprenda a plantar seu jardim e decorar sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe presenteie flores. Aprenda que você pode a tudo suportar, que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe, mesmo depois de achar que não o consegue mais. E você aprende, e você aprende, com todos os adeuses, você aprende... (2)

Que, realmente, a vida tem valor e você tem valor diante da vida. Que nossas dádivas são traiçoeiras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar.”

ERRATA (para outros): este poema vem sendo distribuído por e-mail e publicado na internet brasileira, com a autoria, de forma equivocada, atribuída a William Shakespeare. Devido a isso, fazemos questão de publicar uma de suas versões, para honrar sua verdadeira autora. A versão original, publicada em 1971, é muito menor que este texto: do primeiro (1) pule para o segundo (1) e termine em (2).
Veja aqui a belíssima adaptação da UNICAMP-2004/2005

( Veronica A. Shoffstall - 'After a while' - 1952/**** )

15/Agosto/2005:

“ TUAS MÃOS DE PAI ”

“Tantas mãos fortes já seguraram as minhas,
mas tuas mãos calejadas foram tão verdadeiras.
Quantas vezes, eu criança, busquei-as, confiante,
pedindo tua ajuda e a segurança em qualquer hora.

Hoje, contemplo na memória as vezes que seguraste
e com carinho de pai, aqueceste minhas mãos pequenas.
Tornei-me forte, papai e, mesmo na saudade,
sigo alegre com essa lembrança feliz que me acompanha pela vida.
Em prece agradecida, ainda busco tuas mãos de pai! ”

( Irmã Zuleides Andrade - 'Biografia' - 1950/**** )

16/Agosto/2005:

“ OS SERTÕES ”
- trecho do livro -

“(...) De repente, uma variante trágica. Aproxima-se a seca.
O sertanejo adivinha-a e prefixa-a graças ao ritmo singular com que se desencadeia o flagelo.
Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadida pelo limbo candente que irradia do Ceará.

Buckle, em página notável, assinala a anomalia de se não afeiçoar nunca, o homem, às calamidades naturais que o rodeiam. Nenhum povo tem mais pavor aos terremotos que o peruano; e no Peru as crianças ao nascerem têm o berço embalado pelas vibrações da terra.

Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra. A seca não o apavora. É um complemento à sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos. Enfrenta-a, estóico. Apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de terríveis episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível.

Com os escassos recursos das próprias observações e das dos seus maiores, em que ensinamentos práticos se misturam a extravagantes crendices, tem procurado estudar o mal, para o conhecer, suportar e suplantar. Aparelha-se com singular serenidade para a luta. Dois ou três meses antes do solstício de verão, especa e fortalece os muros dos açudes, ou limpa as cacimbas. Faz os roçados e arregoa as estreitas faixas de solo arável à orla dos ribeirões. Está preparado para as plantações ligeiras à vinda das primeiras chuvas.

Procura em seguida desvendar o futuro. Volve o olhar para as alturas; atenta longamente nos quadrantes; e perquire os traços mais fugitivos das paisagens...

Os sintomas do flagelo despontam-lhe, então, encadeados em série, sucedendo-se inflexíveis, como sinais comemorativos de uma moléstia cíclica, da sezão assombradora da Terra. Passam as "chuvas do caju" em outubro, rápidas, em chuvisqueiros prestes delidos nos ares ardentes, sem deixarem traços; e pintam as caatingas, aqui, ali, por toda a parte, mosqueadas de tufos pardos de árvores marcescentes, cada vez mais numerosos e maiores, lembrando cinzeiros de uma combustão abafada, sem chamas; e greta-se o chão; e abaixa-se vagarosamente o nível das cacimbas... Do mesmo passo nota que os dias, estuando logo ao alvorecer, transcorrem abrasantes, à medida que as noites se vão tornando cada vez mais frias. A atmosfera absorve-lhe, com avidez de esponja, o suor na fronte, enquanto a armadura de couro, sem mais a flexibilidade primitiva, se lhe endurece aos ombros, esturrada, rígida, feito uma couraça de bronze. E ao descer das tardes, dia a dia menores e sem crepúsculos, considera, entristecido, nos ares, em bandos, as primeiras aves emigrantes, transvoando a outros climas...

É o prelúdio da sua desgraça. (...) ”

( Euclides da Cunha - Biografia - 1866/1909 )

17/Agosto/2005:

“ PSICOLOGIA DE UM VENCIDO ”

“ Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra! ”

( Augusto dos Anjos - 'Biografia' - 1884/1914 )

18/Agosto/2005:

“ IDEAL”

“ Não és tu quem eu amo, não és!
Nem Teresa também, nem Ciprina;
Nem Mercedes a loira, nem mesmo
A travessa e gentil Valentina.

Quem eu amo te digo, está longe;
Lá nas terras do império chinês,
Num palácio de louça vermelha
Sobre um trono de azul japonês.

Tem a cútis mais fina e brilhante
Que as bandejas de cobre luzido;
Uns olhinhos de amêndoa, voltados,
Um nariz pequenino e torcido.

Tem uns pés... oh! que pés, Santo Deus!
Mais mimosos que uns pés de criança,
Uma trança de seda e tão longa
Que a barriga das pernas alcança.

Não és tu quem eu amo, nem Laura,
Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês;
A mulher que minh'alma idolatra
É princesa do império chinês. ”

( Fagundes Varela - 'Biografia' - 1841/1875 )

19/Agosto/2005:

“ A ESCOLA DA MESTRA SILVINA”

“ Minha escola primária...
Escola antiga de antiga mestra.
Repartida em dois períodos
para a mesma meninada,
das 8 às 11, da 1 às 4.
Nem recreio, nem exames.
Nem notas, nem férias.
Sem cânticos, sem merenda...
Digo mal — sempre havia
distribuídos
alguns bolos de palmatória...
A granel?
Não, que a Mestra
era boa, velha, cansada, aposentada.
Tinha já ensinado a uma geração
antes da minha.

A gente chegava "— Bença, Mestra."
Sentava em bancos compridos,
escorridos, sem encosto.
Lia alto lições de rotina:
o velho abecedário,
lição salteada.
Aprendia a soletrar.

Vinham depois:
Primeiro, segundo,
terceiro e quarto livros
do erudito pedagogo
Abílio César Borges —
Barão de Macaúbas.
E as máximas sapientes
do Marquês de Maricá.
(...)

Num prego de forja, saliente na parede,
estirava-se a palmatória.
Porta de dentro abrindo
numa alcova escura.
Um velhíssimo armário.
Canastras tacheadas.
Um pote d'água.
Um prato de ferro.
Uma velha caneca, coletiva,
enferrujada.
Minha escola da Mestra Silvina...
Silvina Ermelinda Xavier de Brito.
Era todo o nome dela.

Velhos colegas daquele tempo,
onde andam vocês?
(...)

E faço a chamada de saudade
dos colegas:
Juca Albernaz, Antônio,
João de Araújo, Rufo.
Apulcro de Alencastro,
Vítor de Carvalho Ramos.
Hugo das Tropas e Boiadas.
Benjamim Vieira.
Antônio Rizzo.
Leão Caiado, Orestes de Carvalho.
Natanael Lafaiete Póvoa.
Marica. Albertina Camargo.
Breno — "Escuto e tua voz vai
se apagando com um dolente ciciar
de prece".
(...)

E a Mestra?...
Está no Céu. ”

( Cora Coralina - 'Biografia' - 1889/1985 )

22/Agosto/2005:

“ POEMA PATÉTICO ”

“ Que barulho é esse na escada ?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.

Que barulho é esse na escada ?
É Guiomar que tapou os olhos
e se assoou com estrondo.
É a lua imóvel sobre os pratos
e os metais que brilham na copa.

Que barulho é esse na escada ?
É a torneira pingando água,
é o lamento imperceptível
de alguém que perdeu no jogo
enquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.

Que barulho é esse na escada ?
É a virgem com um trombone,
a criança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguém abafando o rumor
que salta de meu coração. ”

( Carlos Drummond de Andrade - 'Biografia' - 1902/1987 )

23/Agosto/2005:

“ A BRUSCA POESIA DA MULHER AMADA ”
- à Nelita -

“Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que eu haja sido herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos
Chamem-me o massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.

Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de suja fragrância
Já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos ventos
Empós meu canto. É ela uma menina
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.

Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imerso em trevas.
Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos !
Lavai-me, chuvas ! Enxugai-me, ventos !
Alvorecei-me, auroras nasciturnas !
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última !”

( Vinicius de Moraes - 'Biografia' - 1913/1980 )

24/Agosto/2005:

“ A COR DO SOM - MUDANÇA DE ESTAÇÃO ”

“ Gente bonita ta me vindo
A atenção
De lhes mostrar
Mudança de estação
O rio ta raso
Estrela fraca, sem razão
Vai ver, vai ver
É mudança de estação
Vai ver, vai
É noite de São João
Eu quis saber aonde fica
O Coração
E acabei com uma
Estranha sensação
Vai ver, vai ver
É Mudança de estação
Vai ver, vai
É Noite de São João
Gente bonita olha só
Quem vem chegando
Alguém sorrindo
Alguém chorando
E a multidão
Vai ver, vai ver,
É Mudança de estação
Vai ver, vai
É Noite de São João
Vai ver. ”

( Paulo Leminski - 'Biografia' - 1944/1989 )

25/Agosto/2005:

“ LUBRICIDADE ”

“ Quisera ser a serpe venenosa
Que dá-te medo e dá-te pesadelos
Para envolverem, ó Flor maravilhosa,
Nos flavos turbilhões dos teus cabelos.

Quisera ser a serpe veludosa
Para, enroscada em múltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordê-los...

Talvez que o sangue impuro e flamejante
Do teu lânguido corpo de bacante,
Da langue ondulação de águas do Reno

Estranhamente se purificasse...
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno... ”

( Cruz e Sousa - 'Biografia' - 1862/1898 )

26/Agosto/2005:

“ TODAS AS VIDAS ”

“ Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
— Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida —
a vida mera das obscuras. ”

( Cora Coralina - 'Biografia' - 1889/1985 )

29/Agosto/2005:

“ PENSAMENTOS ”

“ Todos os dias deveríamos ler um
bom poema, ouvir uma linda canção,
contemplar um belo quadro
e dizer algumas bonitas palavras.

Pensar é mais interessante
que saber, mas é menos
interessante que olhar. ”

( Johann Wolfang von Goethe - 'Biografia' - 1749/1832 )

30/Agosto/2005:

“ GLÓRIA AOS SERVOS FIÉIS ”

“ Ó Senhor !
Abençoa os teus servos fiéis,
Mensageiros de tua paz,
Semeadores de tua esperança.

Onde haja sombras de dor,
Acende-lhes a lâmpada da alegria;
Onde domine o mal, ameaçando a obra do bem,
Abre-lhes a porta oculta de tua misericórdia;
Onde surjam acúleos do ódio,
Auxilia-os a cultivar as flores bem-aventuradas de teu sacrossanto amor!

Senhor ! são eles
Teus heróis anônimos,
Que removem pântanos e espinheiros,
Cooperando em tua divina semeadura...
Concede-lhes os júbilos interiores,
Da claridade sagrada em que se banham as almas redimidas.

Unge-lhes o coração com a harmonia celeste
Que reservas ao ouvido santificado;
Descortina-lhes as visões gloriosas
Que guardas para os olhos dos justos;
Condecora-lhes o peito com as estrelas da virtude leal...

Enche-lhes as mãos de dádivas benditas
Para que repartam em teu nome
A lei do bem,
A luz da perfeição,
O alimento do amor,
A veste da sabedoria,
A alegria da paz,
A força da fé,
O influxo da coragem,
A graça da esperança,
O remédio retificador !...

Ó Senhor,
Inspiração de nossas vidas,
Mestre de nossos corações,
Refúgio dos séculos terrestres !
Faze brilhar teus divinos lauréis
E teus eternos dons,
Na fronte lúcida dos bons -
Os teus servos fiéis ! ”

( Chico Xavier / André Luiz - 'Biografia' - 1910/2002 )

31/Agosto/2005:

“ A UMA PASSANTE ”
- tradução: Guilherme de Almeida -

“ A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste! ”
(original em francês: À Une Passante)

( Charles Pierre Baudelaire - 'Biografia' - 1821/1867 )

 

 

Mensagem do Dia - Esta página mantém Mensagens de Otimismo e Poesias Diversas para o seu Deleite. This page keeps information concerning many Sublime Poetry and Messages
Portal
Nosso São Paulo
- www.nossosaopaulo.com.br