01/Julho/2005:
AINDA HÁ LUGAR
PARA FLORES ?
Ultimamente, tenho pensado muito sobre toda essa realidade que a cada
dia se revela mais e mais repleta de barbárie. Já não
bastasse meu incessante e crescente estado de medo, frente à
violência que se instaurou, definitivamente, em meu cotidiano,
ainda é preciso suportar notícias diárias sobre
comportamentos imperdoáveis daqueles que deveriam dar exemplo
de cidadania, de honestidade, de responsabilidade, de ética e
de compromisso.
Pergunto-me: como não mergulhar
em uma decepção, em uma depressão, em uma descrença
profundas frente a tudo isso que me é apresentado nas ruas e
nos jornais impressos, televisivos, radiofônicos e eletrônicos?
Como não me render à idéia de que estou vivendo
em uma democracia que, mesmo jovem e recente, parece já ter nascido
falida desde seu primeiro presidente eleito, após mais de vinte
anos de opressão? Como ainda acreditar que é possível
crer na dignidade humana e na possibilidade de construção
de relações de confiança, se a cada dia novas evidências
de falência moral são despejadas sobre minha cabeça?
Como acreditar em um estado que não consegue formar em muitos
de seus jovens, nem mesmo a consciência de que não se deve
quebrar uma simples carteira escolar ou pichar o banheiro da escola?
Que cidadãos e que seres humanos queremos formar por meio de
um estado e um parlamento que se negam a ser, antes de tudo, escola
de ética?
Quero falar de flores... "quero
falar de uma coisa, adivinha onde ela anda, pode(ria) estar dentro do
peito ou caminha(ndo) pelo ar, pode(ria) estar aqui do lado, bem mais
perto que pensamos" (Milton Nascimento) mas, na verdade, parece
cada vez mais distante, cada vez mais irreal, cada vez mais inútil,
cada vez mais utópica, cada vez mais impossível, cada
vez mais cuspida e mijada em cima, cada vez mais enterrada em uma cova
escura: a dignidade.
Quero ainda empunhar a flor da
dignidade e fazê-la florescer em meio aos meus próximos,
porém, não tenho conseguido mais suportar o peso das pedras
que atiram, violentamente, contra meu corpo, contra meus ideais, contra
meus sonhos, contra meus anseios, contra minhas convicções.
Resta-me tentar sobreviver, porque a luta e a rebeldia já se
mostraram inúteis e ilusórias. Resta-me tentar fazer com
que sobreviva a flor que carrego nas mãos e ofereço, ainda
que com mãos trêmulas, a esses que vejo se distanciarem
cada vez mais do meu sonho (impossível?) de paz.
( Alessandro Eloy Braga -
'Biografia'
- 1973/**** )
04/Julho/2005:
SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA
Perdi
o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não ? na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos sim ! ao eterno.
( Carlos Drummond de Andrade
- 'Biografia'
- 1902/1987 )
05/Julho/2005:
MEDIDA DRÁSTICA
(...)
O que estava acontecendo consigo que fora abandonado ? Deus não
o teria visto ? Não soubera que perecera naquelas torrentes bravias,
e não mais existia como pessoa ? Onde estava esse Deus que sempre
ouvia dizer, cuidava de seus filhos, e deixava-o tão abandonado,
revivendo toda a sua vida, minuto a minuto, ora influenciando a esposa,
ora influenciado por ela ?
Seria aquela situação
um julgamento pelo qual deveria passar, como ouvia que aqueles que partem
da Terra precisam enfrentar ?
Se assim fosse, onde estava o
julgador ? Quem o julgava, se não havia ninguém em sua
companhia nem ninguém lhe falava ou perguntava nada ? Que julgamento
seria esse que o deixavam só consigo mesmo ?
Poderemos dizer que era, não
um julgamento porque o Pai bondoso não mantém nenhum tribunal
para julgar seus filhos, mas faz com que eles próprios, após
muito pensarem, façam a apreciação de si mesmos.
Por isso Deus dotou cada filho seu do julgador mais implacável,
mais rigoroso e fiel, mas não representado por ninguém,
porque faz parte do seu próprio Espírito e está
sempre alerta. Basta que cada um dê atenção a ele,
siga o que melhor lhe indicar mas, se passar pela vida ignorando-o,
ao ver-se no Mundo Espiritual, terá que se deparar com ele da
forma mais ampla, mais intensa e mais verdadeira. Esse julgador não
admite subterfúgios, não aceita desculpas nem subornos,
porque é a parte mais ilibada que compõe o nosso Espírito
e nos alerta constantemente - a nossa CONSCIÊNCIA ! (...)
( Eça de Queirós
/ Wanda Canutti - 'Biografia'
- 1932/2004 )
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Drástica
06/Julho/2005:
A TARDE
Era a hora em que a tarde se debruça
Lá da crista das serras mais remotas...
E daraponga o canto, que soluça,
Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que sembuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas...
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalando.
Era a hora em que os cardos rumorejam
Como um abrir de bocas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas...
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas desposadas;
E a pedra... a flor... as selvas... os condores
Gaguejam... falam... cantam seus amores!
Hora meiga da Tarde! Como és
bela
Quando surges do azul da zona ardente!
... Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gota do banho cada estrela,
Que te rola da espádua refulgente...
E, prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!...
Eu amo-te, ó mimosa do
infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!...
Mas não mesqueço
nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos
De amor do nenúfar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha!...
E os abraços fogosos da baunilha!...
E te amei tanto cheia de
harmonias
A murmurar os cantos da serrana,
A lustrar o broquel das serranias,
A doirar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto à flor das águas frias
Da lagoa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!...
Mas hoje, da procela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte...
... Para então, do relâmpago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte,
Contemplando o infinito..., na floresta
Rolar ao som da funeral orquestra !!!
( Castro Alves - 'Biografia'
- 1847/1871 )
07/Julho/2005:
À MINHA NOIVA
' Tu és flor; as
tuas pétalas
orvalho lúbrico molha;
eu sou flor que se desfolha
no verde chão do jardim.'
Têm por moda agora os líricos
versos fazer neste estilo...
Tu és isso, eu sou aquilo,
tu és assado, eu assim...
Às negaças deste gênero,
Carlotinha, não resisto:
vou dizer que tu és isto,
que aquilo sou vou dizer;
tu és um pé de camélia,
eu sou triste pé de alface,
tu és a aurora que nasce,
eu sou fogueira a morrer.
Tu és a vaga pacífica,
eu sou a onda encrespada,
tu és tudo, eu não sou nada,
nem por descuido doutor;
tu és de Deus uma lágrima,
eu sou de suor um pingo,
eu sou no amor o gardingo,
tu Hermengarda no amor.
Os fatos restabeleçam-se,
ó dona dos pés pequenos:
eu sou homem nada menos,
tu és mulher nada mais;
eu sou funcionário público,
tu minha esposa bem cedo,
eu sou Artur Azevedo,
tu és Carlota Morais.
( Artur Azevedo -
'Biografia'
- 1855/1908 )
08/Julho/2005:
ANTÍFONA
Ó Formas alvas,
brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Indefiníveis músicas
supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos
serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, sodas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos
mais finos astros
Fecunde e inflame a rime clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência,
graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passe
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões
alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio
e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios.....
Tudo! vivo e nervoso e quente
e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
( Cruz e Sousa -
'Biografia'
- 1862/1898 )
11/Julho/2005:
ROSÁRIO
E eu que era um menino
puro
Não fui perder minha infância
No mangue daquela carne!
Dizia que era morena
Sabendo que era mulata
Dizia que era donzela
Nem isso não era ela
Era uma moça que dava.
Deixava... mesmo no mar
Onde se fazia em água
Onde de um peixe que era
Em mil se multiplicava
Onde suas mãos de alga
Sobre o meu corpo boiavam
Trazendo à tona águas-vivas
Onde antes não tinha nada.
Quanto meus olhos não viram
No céu da areia da praia
Duas estrelas escuras
Brilhando entre aquelas duas
Nebulosas desmanchadas
E não beberam meus beijos
Aqueles olhos noturnos
Luzindo de luz parada
Na imensa noite da ilha!
Era minha namorada
Primeiro nome de amada
Primeiro chamar de filha
Grande filha de uma vaca!
Como não me seduzia
Como não me alucinava
Como deixava, fingindo
Fingindo que não deixava!
Aquela noite entre todas
Que cica os cajus! travavam!
Como era quieto o sossego
Cheirando a jasmim-do-Cabo!
Lembro que nem se mexia
O luar esverdeado.
Lembro que longe, nos longes
Um gramofone tocava,
Lembro dos seus anos vinte
Junto aos meus quinze deitados
Sob a luz verde da lua.
Ergueu a saia de um gesto
Por sobre a perna dobrada
Mordendo a carne da mão
Me olhando sem dizer nada
Enquanto jazente eu via
Como uma anêmona n'água
A coisa que se movia
Ao vento que a farfalhava.
Toquei-lhe a dura pevide
Entre o pêlo que a guardava
Beijando-lhe a coxa fria
Com gosto de cana-brava.
Senti, à pressão
do dedo
Desfazer-se desmanchada
Como um dedal de segredo
A pequenina castanha
Gulosa de ser tocada.
Era uma dança morena
Era uma dança mulata
Era o cheiro de amarugem
Era a lua cor de prata
Mas foi só aquela noite!
Passava dando risada
Carregando os peitos loucos
Quem sabe pra quem, quem sabe!
Mas como me perseguia
A negra visão escrava
Daquele feixe de águas
Que sabia ela guardava
No fundo das coxas frias!
Mas como me desbragava
Na areia mole e macia!
A areia me recebia
E eu baixinho me entregava
Com medo que Deus ouvisse
Os gemidos que não dava!
Os gemidos que não dava
Por amor do que ela dava
Aos outros de mais idade
Que a carregaram da ilha
Para as ruas da cidade.
Meu grande sonho da infância
Angústia da mocidade.
( Vinicius de Moraes -
'Biografia'
- 1913/1980 )
12/Julho/2005:
SONETO DA FIDELIDADE
De tudo ao meu amor serei
atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão
momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me
procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que
tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
( Vinicius de Moraes -
'Biografia'
- 1813/1980 )
13/Julho/2005:
LA CANCIÓN DESESPERADA
EMERGE tu recuerdo de la
noche en que estoy.
El río anuda al mar su lamento obstinado.
(EMERGE tua recordação da noite em que estou.
O rio reúne ao mar seu lamento obstinado.)
Abandonado como los muelles en
el alba.
Es la hora de partir, oh abandonado!
(Abandonado como os fulgores da aurora.
É hora de partir, oh! abandonado!)
Sobre mi corazón llueven
frías corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cueva de náufragos!
(Sobre o meu coração chovem frias corolas.
Oh! porão imundo de escombros, feroz cova de náufragos!)
En ti se acumularon las guerras
y los vuelos.
De ti alzaron las alas los pájaros del canto.
(Em ti se acumularam as guerras e os vôos.
De ti bateram as asas, os pássaros do canto.)
Todo te lo tragaste, como la lejanía.
Como el mar, como el tiempo. Todo en ti fue
naufragio!
(Tudo tragaste, como a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!)
Era la alegre hora del asalto
y el beso.
La hora del estupor que ardía como un faro.
(Era a alegre hora do assalto e do beijo.
A hora do estupor que ardia como um farol.)
Ansiedad de piloto, furia de buzo
ciego,
turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio!
(Ansiedade de piloto, fúria de mergulhador cego,
turva embriaguez de amor, tudo em ti foi naufrágio!)
En la infancia de niebla mi alma
alada y herida.
Descubridor perdido, todo en ti fue naufragio!
(Na infância de brumas, minh'alma alada e ferida.
Descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!)
Te ceñiste al dolor, te
agarraste al deseo.
Te tumbó la tristeza, todo en ti fue naufragio!
(Te prendeste à dor, te agarraste ao desejo.
Tombaste à tristeza, tudo em ti foi naufráfio!)
Hice retroceder la muralla de
sombra,
anduve más allá del deseo y del acto.
(Fiz retroceder a muralha de sombra,
andei além do desejo e do ato.)
Oh carne, carne mía, mujer
que amé y perdí,
a ti en esta hora húmeda, evoco y hago canto.
(Oh! carne, minha carne, mulher que amei e perdi,
a ti nesta hora úmida, evoco e canto.)
Como un vaso albergaste la infinita
ternura,
y el infinito olvido te trizó como a un vaso.
(Como um copo, albergaste a infinita ternura,
e o infinito esquecimento te trincou como a um copo.)
Era la negra, negra soledad de
las islas,
y allí, mujer de amor, me acogieron tus brazos.
(Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher de amor, me acolheram teus braços.)
Era la sed y el hambre, y tú
fuiste la fruta.
Era el duelo y las ruinas, y tú fuiste el milagro.
(Era a sede e a fome, e tu foste a fruta.
Era o duelo e as ruínas, e tu foste o milagre.)
Ah mujer, no sé cómo
pudiste contenerme
en la tierra de tu alma, y en la cruz de tus brazos!
(Ah! mulher, não sei como pudestes me guardar
na terra de tua alma, e na cruz dos teus braços!)
Mi deseo de ti fue el más
terrible y corto,
el más revuelto y ebrio, el más tirante y ávido.
(Meu desejo por ti foi o mais terrivel e breve,
o mais revolto e ébrio, o mais tenso e ávido.)
Cementerio de besos, aún
hay fuego en tus tumbas,
aún los racimos arden picoteados de pájaros.
(Cemitério de beijos, ainda que haja fogo em tuas tumbas,
ainda que os cachos ardam bicados pelos pássaros.)
Oh la boca mordida, oh los besados
miembros,
oh los hambrientos dientes, oh los cuerpos trenzados.
(Oh! a boca mordida, oh! os membros beijados,
oh! os dentes famintos, oh! os corpos entrelaçados.)
Oh la cópula loca de esperanza
y esfuerzo
en que nos anudamos y nos desesperamos.
(Oh! a cópula louca de esperança e esforço
em que nos unimos e nos desesperamos.)
Y la ternura, leve como el agua
y la harina.
Y la palabra apenas comenzada en los labios.
(E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra, apenas iniciada nos lábios.)
Ése fue mi destino y en
él viajó mi anhelo,
y en él cayó mi anhelo, todo en ti fue naufragio!
(Este foi o meu destino e nele viajou os meus anseios,
e nele sucumbiu o meu desejo, tudo em ti foi naufrágio!)
Oh sentina de escombros, en ti
todo caía,
qué dolor no exprimiste, qué olas no te ahogaron.
(Oh! lugar imundo de escombros, em ti todo caía,
que dor não exprimistes, que ondas não te afogaram.)
De tumbo en tumbo aún llameaste
y cantaste
de pie como un marino en la proa de un barco.
(De tombo em tombo ainda chamaste e cantaste
de pé como um marinheiro na proa de um barco.)
Aún floreciste en cantos,
aún rompiste en corrientes.
Oh sentina de escombros, pozo abierto y amargo.
(Ainda floreceste em cantos, ainda rompeste em correntes.
Oh! imundície de escombros, poço aberto e amargo.)
Pálido buzo ciego, desventurado
hondero,
descubridor perdido, todo en ti fue naufragio!
(Pálido mergulhador cego, infeliz desventurado,
descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!)
Es la hora de partir, la dura
y fría hora
que la noche sujeta a todo horario.
(É hora de partir, a dura e fria hora
que a noite sujeita ao seu horário.)
El cinturón ruidoso del
mar ciñe la costa.
Surgen frías estrellas, emigran negros pájaros.
(O cinturão ruidoso do mar cinge a costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.)
Abandonado como los muelles en
el alba.
Sólo la sombra trémula se retuerce en mis manos.
(Abandonado como os fulgores da aurora.
Somente a sombra trêmula se retorce em minhas mãos.)
Ah más allá de todo.
Ah más allá de todo.
(Ah! mas além de tudo. Ah! mas além de tudo.)
Es la hora de partir. Oh abandonado!
(É hora de partir. Oh! abandonado!)
( Pablo Neruda -
'Neftalí
Ricardo Reyes Basoalto' -
1904/1973 )
- tradução: Eng. Celio Franco -
14/Julho/2005:
SERENATA
Permita que eu feche os
meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
( Cecília Meireles -
'Biografia'
- 1901/1964 )
15/Julho/2005:
MOTIVO
Eu canto porque o instante
existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção
é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
mais nada.
( Cecília Meireles -
'Biografia'
- 1901/1964 )
18/Julho/2005:
EM SILÊNCIO
Em silêncio, o dia
espera que a noite se vá para anunciar a alvorada.
Em silêncio, a fonte que teve as águas agredidas com dejetos,
espera a sujeira baixar para seguir servindo sempre.
Em silêncio, a árvore podada espera a recuperação
dos galhos, para continuar oferecendo seus frutos.
Em silêncio, as células do corpo humano se renovam a cada
dia, garantindo a existência das criaturas.
Cultiva também o silêncio,
ante os lances difíceis da jornada no mundo.
Age no bem e entrega os resultados a Deus, que nos garantirá
sempre o melhor.
Hoje, talvez a dificuldade te bata à porta.
Em silêncio, porém, ela também partirá, deixando
as bênçãos da lição que te felicitará
depois.
( Scheilla / Clayton B. Levy
- 'A
Mensagem do Dia' )
19/Julho/2005:
CARIDADE ESSENCIAL
E a caridade é esta:
que andemos segundo os seus mandamentos. Este é o
mandamento, como já desde o principio ouvistes; que andeis nele."
- João. (II JOÃO, 6.)
Em todos os lugares e situações
da vida, a caridade será sempre a fonte divina das bênçãos
do Senhor.
Quem dá o pão ao
faminto e água ao sedento, remédio ao enfermo e luz ao
ignorante, está colaborando na edificação do Reino
Divino, em qualquer setor da existência ou da fé religiosa
a que foi chamado.
A voz compassiva e fraternal que
ilumina o espírito é irmã das mãos que alimentam
o corpo.
Assistência, medicação e ensinamento constituem
modalidades santas da caridade generosa que executa os programas do
bem. São vestiduras diferentes de uma virtude única. Conjugam-se
e completam-se num todo nobre e digno.
Ninguém pode assistir a
outrem, com eficiência, se não procurou a edificação
de si mesmo; ninguém medicará, com proveito, se não
adquiriu o espírito de boa-vontade para com os que necessitam,
e ninguém ensinará, com segurança, se não
possui a seu favor os atos de amor ao próximo, no que se refira
à compreensão e ao auxílio fraternais.
Em razão disso, as menores
manifestações de caridade, nascidas da sincera disposição
de servir com Jesus, são atividades sagradas e indiscutíveis.
Em todos os lugares, serão sempre sublimes luzes da fraternidade,
disseminando alegria, esperança, gratidão, conforto e
intercessões benditas.
Antes, porém, da caridade
que se manifesta exteriormente nos variados setores da vida, pratiquemos
a caridade essencial, sem o que não poderemos efetuar a edificação
e a redenção de nós mesmos. Trata-se da caridade
de pensarmos, falarmos e agirmos, segundo os ensinamentos do Divino
Mestre, no Evangelho. É a caridade de vivermos verdadeiramente
nEle para que Ele viva em nós. Sem esta, poderemos levar a efeito
grandes serviços externos, alcançar intercessões
valiosas, em nosso benefício, espalhar notáveis obras
de pedra, mas, dentro de nós mesmos, nos instantes de supremo
testemunho na fé, estaremos vazios e desolados, na condição
de mendigos de luz.
( Chico Xavier / Emmanuel -
'Biografia'
- 1910/2002 )
20/Julho/2005:
CANÇÃO
DA AMÉRICA
- Milton Nascimento / Fernando Brant
-
Amigo é coisa pra
se guardar
Debaixo de sete chaves,
Dentro do coração
Assim falava a canção,
Que na América ouvi.
Mas quem cantava chorou,
Ao ver seu amigo partir.
Mas quem ficou, no pensamento
voou
Com seu canto que o outro lembrou.
E quem voou, no pensamento ficou,
Com a lembrança que o outro cantou.
Amigo é coisa pra se guardar
No lado esquerdo do peito.
Mesmo que o tempo e a distância,
Digam não.
Mesmo esquecendo a canção.
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração.
Pois seja o que vier,
Venha o que vier.
Qualquer dia, amigo eu volto,
A te encontrar.
Qualquer dia, amigo a gente,
Vai se encontrar.
( Milton Nascimento - 'Biografia'
- 1942/**** )
21/Julho/2005:
A DANÇA DAS HORAS
Frêmito de asas,
vibração ligeira
de pés alvos e nus,
que dançam, tontos, como dança a poeira
numa réstia de luz...
São as horas, que descem
por um fio
de cabelo do sol,
e vivem num contínuo corrupio,
mais obedientes do que o girassol.
Dançando, as doze bailarinas
tecem
a vida; e, embora irmãs,
não se vêm, não se dão, não se parecem
as doze tecelãs!
E, de mãos dadas, confundidas
quase,
no invisível sabá,
elas são silenciosas como a gaze,
ou farfalhante como o tafetá.
Frágeis: têm a estrutura
inconsistente
de teia imaterial,
que uma aranha teceu pacientemente
nos teares de um rosal.
E, entre tules volantes, noite
e dia,
o alado torvelim
vertiginosamente rodopia,
numa elasticidade de Arlequim!
Vêm coroadas de rosas, num
remoinho
cambiante de ouro em pó:
cada rosa, que esconde o seu espinho,
dura um minuto só.
Sessenta rosas, vivas como brasas,
traz cada uma; e, ao bater
da talagarça diáfana das asas,
põem-se as coroas a resplandecer...
À proporção
que gira à minha frente
o bailado fugaz,
cada grinalda, vagarosamente,
aos poucos, se desfaz.
E quando as doze dançarinas,
feitas
de plumas, vão recuar,
levam as frontes, claras e perfeitas,
circundadas de espinhos, a sangrar...
Assim, depois que a estranha sarabanda
na sombra se dilui,
penso, vendo o outro bando que ciranda
em torno do que fui,
que há uma alma em cada
gesto e em cada passo
das horas que se vão:
pois fica a sombra de seu véu no espaço,
fica o silêncio de seus pés no chão!...
( Guilherme de Almeida - 'Biografia'
- 1890/1969 )
22/Julho/2005:
TERRA DO BRASIL
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.
Perdida é para mim toda
a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança...
Qual o infante a dormir em peito
amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!
E entre visões de paz,
de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
- D. Pedro II, homem probo e de
conduta ilibada, amante confesso dessa PÁTRIA e desse POVO, é
exemplo que deveria ser seguido por nossos políticos atuais -
( Dom Pedro II - 'Biografia'
- 1825/1891 )
25/Julho/2005:
SEMPRE O BRASIL
Nunca noite dormi tão
sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
Porém, vendo infinito mar d'anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.
Cada dia que passa não
é nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lá vivo é um ceitil,
Aqui é para mim grande massada.
Se a doença porém
me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,
E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra só quero eu existir
Quando é para bem dele que eu o sei.
- D. Pedro II, homem probo e de
conduta ilibada, amante confesso dessa PÁTRIA e desse POVO, é
exemplo que deveria ser seguido por nossos políticos atuais -
( Dom Pedro II - 'Biografia'
- 1825/1891 )
26/Julho/2005:
AMIGOS MADUROS
Você já experimentou
observar, amorosamente, a árvore de sua família,
a seiva que lhe dá vitalidade, as flores e frutos que ela produz,
e imaginar as raízes que lhe dão sustento?
Em sua memória, em cartas
e cartões guardados, em álbuns de fotos
ou, quem sabe, ainda bem próximo de você, há quatro
pessoas
que acumulam sabedoria e ternura, carinho e compreensão,
e têm muitas histórias para contar.
São os avós, pessoas
que, revendo o passado com gratidão
e abraçando o presente com serenidade, ajudam a vislumbrar
o futuro para seus filhos e netos.
Essas pessoas queridas, depois de percorrerem tantos caminhos
e já colhendo os frutos do seu trabalho e amor...
de repente, deparam-se com nova onda de vitalidade à medida que,
rebentos de uma nova geração, os netos, reacendem nos
avós
o gosto pela vida e a lembrança dos tempos de infância.
Mesmo com algumas carências
próprias da idade,
os avós têm lugar especial na vida dos netos,
pois são amigos maduros, livres e criativos,
afetuosos e compreensivos.
Experimente pedir a eles para
contarem histórias do tempo
em que tiveram que criar e educar seus filhos.
Converse com eles e descobrirá tantos detalhes curiosos
que irão enriquecer sua história. Faça anotações,
gravações, fotos.
Chegará o tempo em que, depois de percorrer o mundo,
as rodas de amizades, você voltará a atenção
para a história de sua família, que é a sua história.
Qual uma colcha de retalhos, a
vida foi se ajeitando aos poucos.
Entre choros e abraços, a vida foi criando seus laços,
legando experiência, valores e uma cultura tão própria
da família.
Você conhece as canções
de ninar que acalentaram e embalaram
seus pais? Que tal pedir para seus avós cantarem para você?
Se esse seu desejo for agora apenas uma lembrança,
uma prece, que Deus acolha seu recado e sua saudade.
Parabéns aos nossos amigos
maduros,
cheios de escuta e compreensão - nossos avós -
cujo dia é celebrado em 26 de julho,
lembrando São Joaquim e Santa Ana,
pais de Maria, Mãe de Jesus !
( Irmã Zuleides Andrade
- 'ASCJ
- WebSister' - 1950/*** )
27/Julho/2005:
PRECE ÁRABE
Deus, não consintas
que eu seja
o carrasco que sangra as ovelhas,
nem uma ovelha nas mãos dos algozes.
Ajuda-me a dizer sempre a verdade
na presença dos fortes,
e jamais dizer mentiras para ganhar os aplausos dos fracos.
Meu Deus!
Se me deres a fortuna, não me tires a felicidade;
se me deres a força, não me tires a sensatez;
se me for dado prosperar,
permita que eu não perca a modéstia,
conservando apenas o orgulho da dignidade.
Ajuda-me a apreciar o outro lado
das coisas,
para não enxergar a traição dos adversários,
nem acusá-los com maior severidade do que a mim mesmo.
Não me deixes ser atingido
pela ilusão da glória, quando bem sucedido,
e nem desesperado, quando sentir insucesso.
Lembra-me que a experiência de um fracasso
poderá proporcionar um progresso maior.
Ó Deus!
Faze-me sentir que o perdão é o maior índice da
força,
e que o amor à vingança é prova de fraqueza.
Se me tirares a fortuna, deixe-me
a esperança.
Se me faltar a beleza da saúde,
conforta-me com a graça da fé.
E quando me ferir a ingratidão
e a
incompreensão dos meus semelhantes,
cria em minha alma a força da desculpa e do perdão.
E finalmente, Senhor,
se eu Te esquecer,
te rogo mesmo assim,
nunca Te esqueças de mim !
( Traduzida por Seme Draibe
- 'Biografia'
- 1914/*** )
28/Julho/2005:
O QUE MAIS DÓI
O que mais dói não
é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também
a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito
nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país
inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.
( Patativa do Assaré
- 'Biografia'
- 1909/2002 )
29/Julho/2005:
SE EU FOSSE UM PADRE
Se eu fosse um padre, eu,
nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema ainda que de Deus se aparte
um belo poema sempre leva a Deus !
( Mario Quintana - 'Biografia'
- 1906/1994 )