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12/Maio/2016:
O TRIUNFO DA RAZÃO CÍNICA
- César Benjamin 2003 Rebelión -
A crise do PT é
a mais profunda crise da esquerda brasileira. para o bem e para o mal,
foi o PT a vanguarda política da nossa esquerda nos últimos
vinte anos.
O Partido dos Trabalhadores
está morrendo. Nele não resta mais nenhum espírito
transformador, nenhuma autenticidade, nenhum impulso vital. Não
tem princípios a defender. Não tem mais referências
sobre coisa alguma, pois suas posições históricas
- sobre a previdência, os transgênicos, a política
econômica, o FMI ou qualquer outro assunto - estão sempre
prontas a ser sacrificadas no balcão em que se fazem as negociações
do momento.
O PT não tem, nem pretende mais
ter, projeto de sociedade. Tem apenas projeto de poder. Essa volúpia
desenfreada, sem ideal, cria o ambiente propício ao cinismo e
à corrupção crescentes, a que estamos assistindo,
pois a melhor maneira de se manter em cima é copiar os poderosos
e se aliar a eles. Hoje, o militante de que o PT precisa, o que é
valorizado pela direção, é o carreirista obcecado
pelo sucesso rápido e a trajetória meteórica, disposto
a dizer amém, pronto a desmentir amanhã, por qualquer
pretexto, aquilo que defendia até hoje.
Os que construíram o partido e
não se corromperam nele não têm mais lugar. Tornaram-se
um estorvo. São enxovalhados. Estão sendo substituídos
por filiados pela Internet e por gente arrebanhada pelos esquemas políticos
tradicionais. Esquemas caros, como se sabe, pois esvaziados da militância
voluntária que impulsionou o partido quando ele era jovem. Para
financiar essa operação e esse novo modo de ser, é
cada vez mais tênue, no andar de cima, a separação
entre política e negócios. Candidatos a deputado, até
ontem meros assalariados, falam abertamente em levantar 10 ou 20 milhões
de reais para suas campanhas, sabe-se lá de que forma. Candidatos
a cargos mais altos aventuram-se em todos os tabuleiros. São
as regras do jogo. Não há mais pudor. Todos caminham nus
pelos salões.
VALORES ESQUECIDOS
O PT tornou-se uma via de ascensão
individual para a afluência material e o poder. Multiplicam-se
as pessoas que se tornam subitamente importantes e que se sentem, assim,
sem ter história nem biografia, sem ter passado nem futuro. Pobres
de espírito, sempre ocupados nas articulações do
momento - para a próxima convenção, a próxima
nomeação ou a próxima eleição -,
não lêem um livro, não se dedicam a conhecer bem
assunto nenhum, não são solidários às dificuldades
do povo brasileiro, não pretendem ser fiéis a uma idéia
de nação. Suas lealdades se esgotam nos limites do grupo
de interesse a que estão vinculados. Valores como humildade,
perseverança e ideal estão definitivamente fora de moda.
Tudo agora é cálculo. Liberado para florescer, o oportunismo
tem pressa. Tempo é poder. Tempo é dinheiro. A crise do
PT é a mais profunda crise da esquerda brasileira. Para o bem
e para o mal, foi o PT a vanguarda política da nossa esquerda
nos últimos vinte anos, e dentro dele foi vanguarda a Articulação.
Além de perseguir com coerência uma estratégia política
e controlar com competência os principais aparatos de poder, ela
propunha a toda a esquerda uma forma de luta estratégica, que,
uma vez vitoriosa, seria capaz de abrir um período novo de ação
política em nosso país: a eleição de Lula
à presidência. Participávamos de múltiplas
iniciativas militantes no cotidiano, e a cada quatro anos renovávamos
nossa esperança em uma possibilidade especial, a de colocar Lula
lá.
Durou menos de um ano a transição
de um auge a uma crise. Hoje, a Articulação tem um poder
que a esquerda nunca teve, mas não é vanguarda de mais
nada, nem para o bem nem para o mal. É, simplesmente, outra coisa:
um grupo que ocupa posições de mando em um Estado corrompido
e conservador, forte para premiar e punir, fraco para transformar. Adaptado
a ele, usa essas posições para negociar tudo com todos.
Falar de um "governo em disputa" era um erro há nove
meses. Hoje é apenas cumplicidade com o charlatanismo.
BOM COMBATE
A cooptação do PT pelo
sistema de poder é a mais vergonhosa de todas, pois vem desassociada
de qualquer ganho real para a base social que ele deveria representar.
Ao contrário, ele aceitou ser o algoz dessa base: a contar do
início do governo Lula, teremos 1 milhão de novos desempregados
em fevereiro de 2004, e os rendimentos do trabalho estão em queda
livre. A previdência pública foi desmontada, e anuncia-se
para breve o acerto de contas com a legislação trabalhista.
Comparativamente a isso, a socialdemocracia européia teve uma
trajetória brilhante.
Nenhum de nós pede que Lula faça
uma revolução. Nenhum desconhece o cenário, nacional
e internacional, que nos cerca. Pedimos apenas decência, espírito
republicano e compromisso com um capitalismo regulado. Basta isso para
que sejamos chamados de radicais, num país em que política
e indecência sempre foram mais ou menos a mesma coisa, em que
o Estado sempre foi um espaço de negociatas e em que, em vez
de capitalismo, prevalece a bandalha. Insistimos nessas três coisas,
porque por menos do que elas a própria atividade política
já não vale a pena. Por menos, é melhor ir para
casa.
O que nos afasta do PT não são
posições adotadas nessa ou naquela questão. São
valores e princípios. É esse ilimitado pragmatismo de
quem, uma vez no poder, não pode correr risco nenhum, nem mesmo
o risco de dizer a verdade. No lugar da verdade, marketing, dissimulação
e engodo, uma enorme operação de deseducação
política do povo brasileiro. No lugar de uma ação
coletiva, de baixo para cima, um líder que desmobiliza e que,
como todo medíocre, começa a se considerar semideus. No
lugar de um projeto, espertezas, um discurso para cada interlocutor.
No lugar de diálogo, ameaças, chantagens, nomeações,
demissões. No lugar da luta de idéias, movimentos sempre
nas sombras. É o triunfo da razão cínica.
HERANÇA DURADOURA
O chefe disso chama-se Luís Inácio
Lula da Silva. Sua principal herança, para a esquerda brasileira,
não será formada a partir de acertos e erros aqui e acolá,
naturais na trajetória de qualquer pessoa. Sua herança
mais duradoura será construída pela sistemática
sinalização de valores negativos, que ele ajudou a difundir
amplamente nos últimos anos. Isso é que é imperdoável.
Arrogante com os "de baixo" e subserviente aos "de cima",
desqualifica-se, pois o que se espera de um líder popular é
exatamente o contrário: que seja humilde com os de baixo e firme
com os de cima. Aos pobres, "seus filhos", pede infinita paciência,
enquanto atende com presteza aos reclamos dos ricos, os financiadores
de campanhas. Desemprega 1 milhão de brasileiros e anuncia- se
como aquele que resgata a auto-estima do Brasil. Considera-se corajoso
porque tira direitos de enfermeiras, professores e barnabés,
conduz serviços essenciais ao colapso, enquanto se dispõe
a pagar pontualmente mais de 150 bilhões de reais em juros aos
rentistas só neste ano. É o novo líder dos trezentos
picaretas que denunciava. Logo lhes entregará mais ministérios.
Seu governo passará, mas sua liderança
deixará na esquerda um extenso e duradouro legado: milhares de
pessoas despreparadas e sem valores, que aprenderam no PT que fazer
política é gerenciar interesses. Esses ficarão
ainda por muito tempo, na forma de uma geração de gente
perdida, que nunca lutou e foi derrotada. É isso que dói.
* César Benjamin é autor
de A Opção Brasileira (Contraponto Editora, 1998,
nona edição) e escreve uma análise mensal de conjuntura
econômica brasileira na página www.outrobrasil.net
** Este artigo foi originalmente publicado em CAROS AMIGOS n. 80, Novembro
de 2003.
25/Agosto/2010:
A VISITA
- KredincruiZe 2010 -
"--
Boa noite, querido pai,
estou com visita em casa.
Não estou muito feliz,
por essa eu não esperava.
-- Mas quem é essa pessoa
e o que há de errado?
É amigo, namorada
ou alguém do teu passado?
-- Realmente é alguém
que conheço há muito tempo
mas que quando me visita
rouba todo meu alento.
Quando eu estou feliz
ela nunca aparece,
chega sempre sorrateira
quando algo me entristece.
-- Ora, meu querido filho
diga isso para ela
não terás nenhum problema
se a fala for sincera.
-- Já tentei de tudo, pai:
expor os meus sentimentos,
pedir para que se fosse,
cessar todo meu tormento.
Mas como não consegui
peço-lhe nessa oração
para expulsar de mim
essa maldita: a depressão.
( Daniel Trovó - 'Micagens
- Crônica de uma Vida sem Anúncios'
- 2010)