02/Outubro/2006:
AH, ONDE ESTOU
- xxx -
Ah, onde estou onde passo,
ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, só
da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...
( Álvaro de Campos /
Fernando Pessoa - 'Biografia'
- 1888/1935 )
03/Outubro/2006:
FLOR DO CAMPO
- A meu irmão Eloy -
Moça ingênua
e formosa,
Ó doce filha do sertão agreste!
O teu olhar celeste
Tem o fulgor da Noite luminosa.
Guarda a mesma doçura,
O mesmo encanto feito de esperanças
Dos olhos das crianças,
Ninho de sonho e ninho de ternura.
A luz do Paraíso,
Quando a alegria tua boca enflora,
Resplende como a aurora
Na graça virginal de um teu sorriso.
És inocente e boa
Como a Quimera que em teu seio canta
Tens a beleza santa
Da pomba amiga que no Espaço voa.
Jamais alguém te disse
Que tens o rosto branco como o gelo,
A noite no cabelo
E o sorriso tão cheio de meiguice.
Por isso inda é mais bela
A tua fronte cândida e tranqüila,
E o fogo que cintila
No teu olhar é como o de uma estrela.
Angélica e suave,
É tua voz que as almas adormece,
Um ciciar de prece,
Embalando a saudade de algumave.
Hoje tualma ignora
Toda a magia deste rosto puro;
Mas, olha, no futuro
Lembrar-te-ás do que não vês agora.
E, então, com que saudade
Recordarás esse passado morto
Em triste desconforto,
Chorando os sonhos da primeira idade.
Ó lindo malmequer,
Anjo que vives a sonhar com Deus...
Põe os olhos nos meus
E ouve bem séria o que te vou dizer:
Um dia, talvez cedo,
Teu coração palpitará inquieto
E, transbordando afeto,
Há de afagar um íntimo segredo.
Para tualma honesta
O Céu inteiro, iluminado, ó flor!
Com a luz de um puro amor
Há de brilhar como uma Igreja em festa.
E assim, risonha e calma,
Conduzirá ao porto da aliança,
Na barca da Esperança,
Como um troféu, o noivo de tualma.
E Deus há de baixar
Sobre estas duas mãos que o padre estreita,
A bênção mais perfeita,
O seu mais doce e mais divino olhar.
Feliz, muito feliz,
A tua vida correrá de manso
No plácido remanso
De quem adora o Céu e o Céu bem-diz.
Depois, do Paraíso,
Jesus há de enviar-te uma filhinha,
Formosa criancinha
Que embalarás cantando num sorriso.
E ela há de ser bonita
E boa como tu, anjo terrestre,
Ó linda flor silvestre,
Minha singela e casta margarida!
E após anos e anos,
Quando ela ficar moça e no teu rosto
A sombra do sol posto
For desdobrando o manto dos enganos.
Num dia de verão,
Sentado à porta, à hora do descanso,
Sorrindo, bem de manso,
Há de dizer, pegando-te na mão.
O velho esposo amigo:
- Repara como é linda a nossa filha!
Seu riso como brilha!
Eras assim quando casei contigo.
E tu hás de evocar,
Entre saudades trêmulas e ais,
Aquele tempo que não volta mais!
E no gracioso olhar
De tua filha os olhos mergulhando,
Deixarás a tualma ir flutuando
Sobre a onda bendita
Daquele mar puríssimo e dolente...
E, então, murmurarás
saudosamente:
Ah! como fui bonita!
Alto da Saudade.
( Auta de Souza - 'Biografia'
- 1876/1901 )
04/Outubro/2006:
A CONCHA E A VIRGEM
- xxx -
Linda concha que passava,
Boiando por sobre o mar,
Junto a uma rocha, onde estava
Triste donzela a pensar,
Perguntou-lhe: "Virgem
bela,
Que fazes no teu cismar?"
"E tu", pergunta a donzela,
"Que fazes no teu vagar?"
Responde a concha: "Formada
Por estas águas do mar,
Sou pelas águas levada,
Nem sei onde vou parar!"
Responde a virgem sentida,
Que estava triste a pensar:
"Eu também vago na vida,
Como tu vagas no mar!
"Vais duma a outra das vagas,
Eu dum a outro cismar;
Tu indolente divagas,
Eu sofro triste a cantar.
"Vais onde te leva a sorte,
Eu, onde me leva Deus:
Buscas a vida, eu a morte;
Buscas a terra, eu os céus!
( Gonçalves Dias - 'Biografia'
- 1823/1864 )
05/Outubro/2006:
SANGUE DE AFRICANO
- Cachoeira de Paulo Afonso - 1870 -
Aqui sombrio, fero, delirante
Lucas ergueu-se como o tigre bravo...
Era a estátua terrível da vingança...
O selvagem surgiu... sumiu-se o escravo.
Crispado o braço, no punhal segura!
Do olhar sangrentos raios lhe ressaltam,
Qual das janelas de um palácio em chamas
As labaredas, irrompendo, saltam.
Com o gesto bravo, sacudido, fero,
A destra ameaçando a imensidade...
Era um bronze de Aquiles furioso
Concentrando no punho a tempestade!
No peito arcado o coração sacode
O sangue, que da raça não desmente,
Sangue queimado pelo sol da Líbia,
Que ora referve no Equador ardente.
( Castro Alves - 'Biografia'
- 1847/1871 )
06/Outubro/2006:
SONHO DE UM MONISTA
- Eu - 1912 -
Eu e o esqueleto esquálido
de Esquilo
Viajávamos, com uma ânsia sibarita,
Por toda a pró-dinâmica infinita,
Na inconsciência de um zoófito tranqüilo.
A verdade espantosa do Protilo
Me aterrava, mas dentro da alma aflita
Via Deus - essa mônada esquisita -
Coordenando e animando tudo aquilo!
E eu bendizia, com o esqueleto
ao lado,
Na guturalidade do meu brado,
Alheio ao velho cálculo dos dias,
Como um pagão no altar
de Proserpina,
A energia intracósmica divina
Que é o pai e a mãe das outras energias!
( Augusto dos Anjos - 'Biografia'
- 1884/1914 )
09/Outubro/2006:
MÚMIA
- Broquéis - 1893 -
Múmia de sangue e
lama e terra e treva,
Podridão feita deusa de granito,
Que surges dos mistérios do Infinito
Amamentada na lascívia de Eva.
Tua boca voraz se farta e ceva
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para és limbos leva.
Báratros, criptas, dédalos
atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
Uivos tremendos com luxúria e cio...
Ris a punhais de frígidos
sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!...
( Cruz e Sousa - 'Biografia'
- 1862/1898 )
10/Outubro/2006:
CONFIDÊNCIAS DO
ITABIRANO
- Antologia Poética - 1982 -
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa
o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas
que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfreto Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói !
( Carlos Drummond de Andrade
- 'Biografia'
- 1902/1987 )
11/Outubro/2006:
DITIRAMBO DA PAZ
- Os Sobreviventes - 1971 -
quero paz
não
de pás
de cal
nem de pas-
maceira
quero paz
de pás
ao ombro
paz viva
paz
que mantém
o homem
em pé
na pers-
pectiva
do advir.
paz
de sempre
viva
muito viva
que cada um
de nós
cultiva
no peito
homem da
rua
ou na faina
do eito
lutando por
uma
madrugada
definitiva
( Cassiano Ricardo - 'Biografia'
- 1895/1974 )
16/Outubro/2006:
A RUA DOS CATAVENTOS
- Soneto VI - XII - para Erico Veríssimo - 1971 -
O dia abriu seu pára-sol
bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul
arqueado,
A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis,
deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranqüila de um açude...
( Mario Quintana - 'Biografia'
- 1906/1994 )
17/Outubro/2006:
SONETO
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -
Mais se me afunda a chaga
da amargura
Quando reflexiono, quando penso
No mar humano, encapelado e imenso,
Onde se perde a luz em noite escura...
Nesse abismo de treva a bênção
pura,
Do espírito de amor ao mal infenso,
Sente o assédio do mal. É o contra-senso
Da luz unida à lama que a tortura.
Mais se me aumenta a chaga dolorida,
Escutando o soluço cavernoso
Da pobre Humanidade escravizada:
Sentindo o horror que nasce dessa
vida,
Que se vive no abismo tenebroso,
Cheio do pranto da alma encarcerada !.
Antero de Quental: nascido
na ilha de São Miguel, nos Açores, em 1842, e desencarnado
por suicídio, em 1891. É vulto eminente e destacada nas
letras portuguesas, caracterizando-se pelo seu espírito filosófico.
( Antero de Quental / Chico
Xavier - 'Biografia'
- 1842/1891 )
18/Outubro/2006:
CANÇÃO
DO EXÍLIO
- As Primaveras - 1859 -
Se eu tenho de morrer na
flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
Meu Deus, eu sinto e tu bem vês
que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!
O país estrangeiro mais
belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!
Dá-me os sítios
gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!
Se eu tenho de morrer na flor
dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
Quero ver esse céu da minha
terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!
Quero dormir à sombra dos
coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!
Quero sentar-me à beira
do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!
Se eu tenho de morrer na flor
dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!
Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!
Minha campa será entre
as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!
As cachoeiras chorarão
sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!
Se eu tenho de morrer na flor
dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!
( Casimiro de Abreu - 'Biografia'
- 1839/1860 )
19/Outubro/2006:
INOCÊNCIA
- CD Inocência - 2004 -
Não tranque a porta
do seu coração,
Pro amor que mora noutra dimensão.
Não deixe o mundo te afastar das coisas
Que te escapam às mãos.
Não feche os olhos com falsa razão.
Não negue o que te foge à compreensão.
A inocência é que eleva a alma
Acima do chão.
Quem espera a hora de reencontrar,
Com o amor que foi pra nunca mais voltar,
Sente em seu peito que a saudade é um laço
Que não se desfaz, jamais.
Pois quando eu for pra outra estação
Amor, não busque outra explicação,
Mantenha aberta a porta da inocência
No seu coração e então,
Se um invisível beijo te
tocar,
Doce e sereno como onda do mar,
Amor não tema,
Sou eu que tô voltando pra
te amar.
( Plínio Oliveira -
'O
Poeta Cantor' - 1969/**** )
20/Outubro/2006:
RÚSTICA
- Charneca em Flor - 1930 -
Ser a moça mais linda
do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.
Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho...
- Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...
Ser pura como a água da
cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à "terra da verdade"...
Deus, dai-me esta calma, esta
pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
( Florbela Espanca - 'Biografia'
- 1894/1930 )
23/Outubro/2006:
CONSELHO DE UM SÁBIO
- xxx -
Assentado na calçada,
numa pequena cidade
do interior de Pernambuco,
eu ouvia, atento,
os ensinamentos de meu avô,
que me dizia, com elegância:
filho, não esqueça:
I
Vê-se mais coragem
no Poeta que fala de amor
do que no guerreiro
que grita valentia!
II
O homem nasceu
para ser cavaleiro,
e também
para ser cavalheiro!
III
Conceito não se compra.
Seu nome será construído
durante a arquitetura
dos seus anos, todos!
IV
A vida é efêmera...
Ame o máximo que puder
e odeie o mínimo possível!
( Avaniel Marinho - 'Biografia'
- 1962/**** )
24/Outubro/2006:
ABISMO
- xxx -
Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando
O que é sério, e correr?
O que é está-lo eu a ver?
Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo eu e o mundo em redor
Fica mais que exterior.
Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus...
E súbito encontro Deus.
( Fernando Pessoa - 'Biografia'
- 1888/1935 )
25/Outubro/2006:
EL PENSADOR DE RODIN
- Desolación - 1922 - tradução: Celio Franco -
Com o queixo caído
sobre a mão rude,
o Pensador conclui que é carne dos seus ossos,
carne fatal, nua diante do destino,
carne que odeia a morte, e treme de beleza.
E treme de amor, em toda a sua
primavera ardente,
e agora, no outono, se inunda de verdade e tristeza.
O "temos que morrer" passa à sua frente,
em toda sua agudez bronze, quando a noite começa.
E na angústia, seus músculos
se fendem, sofredores.
Cada sulco na carne se enche de terror.
Se fendem, como a folha do outono, ao Senhor forte
que lhe chama à sua estátua
de bronze... E não há árvore torcida
de sol na planície, nem leão ferido no flanco,
crispados como este homem que medita sobre a morte.
( Gabriela Mistral - 'Lucila
Godoy Alcayaga' - 1889/1957 )
26/Outubro/2006:
O VAMPIRO
- tradução: Jamil Almansur Haddad -
Tu que, como uma punhalada,
Entraste em meu coração triste;
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,
Para no espírito humilhado
Encontrar o leito e o ascendente;
- Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,
Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!
Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.
Ah! pobre! o veneno e o punhal
disseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro.
Ah! imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"
( Charles Pierre Baudelaire
- 'Biografia'
- 1821/1867 )
27/Outubro/2006:
DEUS
- Parnaso de Além-Túmulo - 1932 -
Quem, senão Deus,
criou obra tamanha,
O espaço e o tempo, as amplidões e as eras,
Onde se agitam turbilhões de esferas,
Que a luz, a excelsa luz, aquece e banha ?
Quem, senão ELE fez a esfinge
estranha
No segredo inviolável das moneras,
No coração dos homens e das feras,
No coração do mar e da montanha ?!
Deus !... somente o Eterno, o
Impenetrável,
Poderia criar o imensurável
E o Universo infinito criaria !...
Suprema paz, intérmina
piedade,
E que habita na eterna claridade
Das torrentes da Luz e da harmonia !
Antero de Quental: nascido
na ilha de São Miguel, nos Açores, em 1842, e desencarnado
por suicídio, em 1891. É vulto eminente e destacada nas
letras portuguesas, caracterizando-se pelo seu espírito filosófico.
( Antero de Quental / Chico
Xavier - 'Biografia'
- 1842/1891 )
30/Outubro/2006:
POEMA
- xxx -
Encontraremos o amor depois
que um de nós abandonar
os brinquedos.
Encontraremos o amor depois que nos tivermos despedido
E caminharmos separados pelos caminhos.
Então ele passará por nós,
E terá a figura de um velho trôpego,
Ou mesmo de um cão abandonado,
O amor é uma iluminação,
e está em nós, contido em nós,
E são sinais indiferentes e próximos que os acordam do
seu sono subitamente.
( Augusto Frederico Schmidt
- 'Biografia'
- 1906/1965 )
31/Outubro/2006:
EVOCAÇÃO
MARIANA
- Antologia Poética - 1982 -
A igreja era grande e pobre.
Os altares, humildes.
Havia poucas flores. Eram flores de horta.
Sob a luz fraca, na sombra esculpida
(quais as imagens e quais os fiéis ?)
ficávamos.
Do padre cansado o murmúrio
de reza
subia às tábuas do forro,
batia no púlpito seco,
entranhava-se na onda, minúscula e forte, de incenso,
perdia-se.
Não, não se perdia...
Desatava-se do coro a música deliciosa
(que esperas ouvir à hora da morte, ou depois da morte, nas campinas
do ar)
e dessa música surgiam meninas - a alvura mesma -
cantando.
De seu peso terrestre a nave libertada,
como do tempo atroz imunes nossas almas,
flutuávamos
no canto matinal, sobre a treva do vale.
( Carlos Drummond de Andrade
- 'Biografia'
- 1902/1987 )