01/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XI - 1943 -

"O
segundo planeta, um vaidoso o habitava.
- Ah! Ah! Um admirador vem visitar-me! exclamou de longe o vaidoso,
mal vira o príncipe.
Porque, para os vaidosos, os outros homens são sempre admiradores.
-
Bom dia, disse o principezinho. Você tem um chapéu engraçado.
- É para agradecer, exclamou o vaidoso. Para agradecer quando
me aclamam. Infelizmente não passa ninguém por aqui.
- Sim? disse o principezinho sem compreender.
- Bate as mãos uma na outra, aconselhou o vaidoso.
O principezinho bateu as mãos uma na outra. O vaidoso agradeceu
modestamente, erguendo o chapéu.
- Ah, isso é mais divertido
que a visita ao rei, disse consigo mesmo o principezinho. E recomeçou
a bater as mãos uma na outra. O vaidoso recomeçou a agradecer,
tirando o chapéu.
Após cinco minutos de exercício, o principezinho cansou-se
com a monotonia do brinquedo:
- E para o chapéu cair, perguntou ele, que é preciso fazer?
Mas o vaidoso não ouviu. Os vaidosos só ouvem os elogios.
- Não é verdade
que tu me admiras muito? perguntou ele ao principezinho.
- Que quer dizer admirar?
- Admirar significa reconhecer que eu sou o homem mais belo, mais rico,
mais inteligente e mais bem vestido de todo o planeta.
- Mas só há você no seu planeta!
- Dá-me esse gosto. Admira-me mesmo assim!
- Eu te admiro, disse o principezinho, dando de ombros. Mas como pode
isso interessar-te?
E o principezinho foi-se embora.
As pessoas grandes são decididamente muito bizarras, ia pensando
ele pela viagem afora.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
05/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XII - 1943 -

O planeta seguinte era habitado
por um bêbado. Esta visita foi muito curta, mas mergulhou o principezinho
numa profunda melancolia.

- Que fazes aí? perguntou
ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma coleção
de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.
- Eu bebo, respondeu o bêbado,
com ar lúgubre.
- Por que é que bebes? perguntou-lhe o principezinho.
- Para esquecer, respondeu o beberrão.
- Esquecer o quê? indagou o principezinho, que já começava
a sentir pena.
- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando
a cabeça.
- Vergonha de quê? investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.
- Vergonha de beber! concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente
no seu silêncio.
E o principezinho foi-se embora, perplexo.
As pessoas grandes são decididamente muito bizarras, dizia de
si para si, durante a viagem.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
06/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XIII - 1943 -

O quarto planeta era o do
homem de negócios. Estava tão ocupado que não levantou
sequer a cabeça à chegada do príncipe.

- Bom dia, disse-lhe este. O seu
cigarro está apagado.
- Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três,
quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte
e oito. Não há tempo para acender de novo. Vinte e seis
e cindo, trinta e um. Uf! São pois quinhentos e um milhões,
seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.
- Quinhentos milhões de quê?
- Hem? Ainda estás aqui? Quinhentos e um milhões de...
eu não sei mais... Tenho tanto trabalho. Sou um sujeito sério,
não me preocupo com ninharias! Dois e cinco, sete...
- Quinhentos milhões de quê? repetiu o principezinho, que
nunca na sua vida renunciara a uma pergunta, uma vez que a tivesse feito.
O homem de negócios levantou a cabeça:
- Há cinqüenta e quatro anos que habito este planeta e só
fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há vinte
e dois anos, por um besouro caído não sei de onde. Fazia
um barulho terrível, e cometi quatro erros na soma. A segunda
foi há onze anos, por uma crise de reumatismo. Falta de exercício.
Não tenho tempo para passeio. Sou um sujeito sério. A
terceira... é esta! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhões...
- Milhões de quê?
O homem de negócios compreendeu que não havia esperança
de paz:
- Milhões dessas coisinhas que se vêem às vezes
no céu.
- Moscas?
- Não, não. Essas coisinhas que brilham.
- Abelhas?
- Também não. Essas coisinhas douradas que fazem sonhar
os ociosos. Eu cá sou um sujeito sério. Não tenho
tempo para divagações.
- Ah! estrelas?
- Isso mesmo. Estrelas.
- E que fazes tu de quinhentos milhões de estrelas?
- Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e duas mil, setecentos
e trinta e uma. Eu sou um sujeito sério. Gosto de exatidão.
- O que fazes tu dessas estrelas?
- Que faço delas?
- Sim.
- Nada. Eu as possuo.
- Tu possuis as estrelas?
- Sim.
- Mas eu já vi um rei que...
- Os reis não possuem. Eles "reinam" sobre. É
muito diferente.
- E de que te serve possuir as estrelas?
- Servem-me para ser rico.
- E para que te serve ser rico?
- Para comprar outras estrelas, se alguém achar.
Esse aí, disse o principezinho para si mesmo, raciocina um pouco
como o bêbado.
No entanto, fez ainda algumas perguntas.
- Como pode a gente possuir as estrelas?
- De quem são elas? respondeu, ameaçador, o homem de negócios.
- Eu não sei. De ninguém.
- Logo são minhas, porque pensei primeiro.
- Basta isso?
- Sem dúvida. Quando achas um diamante que não é
de ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha que não
é de ninguém, ela é tua. Quando tens uma idéia
primeiro, tua a fazes registrar: ela é tua. E quanto a mim, eu
possuo as estrelas, pois ninguém antes de mim teve a idéia
de as possuir.
- Isso é verdade, disse o principezinho. E que fazes tu com elas?
- Eu as administro. Eu as conto e reconto, disse o homem de negócios.
É difícil. Mas eu sou um homem sério!
O principezinho ainda não estava satisfeito.
- Eu, se possuo um lenço, posso colocá-lo em torno do
pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colher
a flor e levá-la comigo. Mas tu não podes colher as estrelas.
- Não. Mas eu posso colocá-las no banco.
- Que quer dizer isto?
- Isso quer dizer que eu escrevo num papelzinho o número das
minhas estrelas. Depois tranco o papel à chave numa gaveta.
- Só isto?
- E basta...
É divertido, pensou o principezinho. É bastante poético.
Mas não é muito sério.
O principezinho tinha, sobre as coisas sérias, idéias
muito diversas das idéias das pessoas grandes.
- Eu, disse ele ainda, possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo
três vulcões que revolvo toda semana. Porque revolvo também
o que está extinto. A gente nunca sabe. É útil
para os meus vulcões, é útil para a minha flor
que eu os possua. Mas tu não és útil às
estrelas...
O homem de negócios abriu a boca, mas não achou nada a
responder, e o principezinho se foi...
As pessoas grandes são mesmo extraordinárias, repetia
simplesmente no percurso da viagem.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
07/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XIV - 1943 -

O quinto planeta era muito
curioso. Era o menor de todos. Mal dava para um lampião e o acendedor
de lampiões...
O principezinho não podia
atinar para que pudessem servir, no céu, num planeta sem casa
e sem gente, um lampião e o acendedor de lampiões. No
entanto, disse consigo mesmo:
- Talvez esse homem seja mesmo
absurdo. No entanto, é menos absurdo que o rei, que o vaidoso,
que o homem de negócios, que o beberrão. Seu trabalho
ao menos tem um sentido. Quando acende o lampião, é como
se fizesse nascer mais uma estrela, mais uma flor. Quando o apaga, porém,
é estrela ou flor que adormecem. É uma ocupação
bonita. E é útil, porque é bonita.
Quando abordou o planeta, saudou respeitosamente o acendedor:
- Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampião?
- É o regulamento, respondeu o acendedor. Bom dia.
- Que é o regulamento?
- É apagar meu lampião. Boa noite.
E tornou a acender.
- Mas por que acabas de o acender de novo?
- É o regulamento, respondeu o acendedor.
- Eu não compreendo, disse
o principezinho.
- Não é para compreender, disse o acendedor. Regulamento
é regulamento. Bom dia.
E apagou o lampião.
Em seguida enxugou a fronte num lenço de quadrinhos vermelhos.
- Eu executo uma tarefa terrível. Antigamente era razoável.
Apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia
para descansar e o resto da noite para dormir...
- E depois disso, mudou o regulamento?
- O regulamento não mudou, disse o acendedor. Aí é
que está o drama! O planeta de ano em ano gira mais depressa,
e o regulamento não muda!
- E então? disse o principezinho.
- Agora, que ele dá uma volta por minuto, não tenho mais
um segundo de repouso. Acendo e apago uma vez por minuto!
- Ah! que engraçado! Os dias aqui duram um minuto!
- Não é nada engraçado, disse o acendedor. Já
faz um mês que estamos conversando.
- Um mês?
- Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite.
E ascendeu o lampião.
O principezinho considerou-o, e amou aquele acendedor tão fiel
ao regulamento. Lembrou-se dos pores-do-sol que ele mesmo produzia,
recuando um pouco a cadeira. Quis ajudar o amigo.
- Sabes? Eu sei de um modo de descansar quando quiseres...
- Eu sempre quero, disse o acendedor.
Pois a gente pode ser, ao mesmo tempo, fiel e preguiçoso.
E o principezinho prosseguiu:
- Teu planeta é tão pequeno, que podes, com três
passos, dar-lhe a volta. Basta andares lentamente, bem lentamente, de
modo a ficares sempre ao sol. Quando quiseres descansar, caminharás...
e o dia durará quanto queiras.
- Isso não adianta muito, disse o acendedor. O que eu gosto mais
na vida é de dormir.
- Então não há remédio, disse o principezinho.
- Não há remédio, disse o acendedor. Bom dia.
E apagou seu lampião.
Esse aí, disse para si o principezinho, ao prosseguir a viagem
para mais longe, esse aí seria desprezado por todos os outros,
o rei, o vaidoso, o beberrão, o homem de negócios. No
entanto, é o único que não me parece ridículo.
Talvez porque é o único que se ocupa de outra coisa que
não seja ele próprio.
Suspirou de pesar e disse ainda:
- Era o único que eu podia ter feito meu amigo. Mas seu planeta
é mesmo pequeno demais. Não há lugar para dois...
O que o principezinho não ousava confessar é que os mil
quatrocentos e quarenta pores-do-sol em vinte e quatro horas davam-lhe
certa saudade do abençoado planeta.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
08/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XV - 1943 -

O sexto planeta era dez
vezes maior. Era habitado por um velho que escrevia livros enormes.
- Bravo! eis um explorador! exclamou
ele, logo que viu o principezinho.
O principezinho assentou-se na mesa, ofegante. Já viajara tanto!
- De onde vens? perguntou-lhe o velho.
- Que livro é esse? perguntou-lhe o principezinho. Que faz o
senhor aqui?
- Sou geógrafo, respondeu
o velho.
- Que é um geógrafo? perguntou o principezinho.
- É um sábio que sabe onde se encontram os mares, os rios,
as cidades, as montanhas, os desertos.
É bem interessante, disse o principezinho. Eis, afinal, uma verdadeira
profissão! E lançou um olhar em torno de si, no planeta
do geógrafo. Nunca havia visto planeta tão majestoso.
- O seu planeta é muito bonito. Haverá oceanos nele?
- Como hei de saber? disse o geógrafo.
- Ah! (O principezinho estava decepcionado.) E montanhas?
- Como hei de saber? disse o geógrafo.
- E cidades, e rios, e desertos?
- Como hei de saber? disse o geógrafo pela terceira vez.
- Mas o senhor é geógrafo!
- É claro, disse o geógrafo; mas não sou explorador.
Há uma falta absoluta de exploradores. Não é o
geógrafo que vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os
mares, os oceanos, os desertos. O geógrafo é muito importante
para estar passeando. Não deixa um instante a escrivaninha. Mas
recebe os exploradores, interroga-os, anota as suas lembranças.
E se as lembranças de alguns lhe parecem interessantes, o geógrafo
estabelece um inquérito sobre a moralidade do explorador.
- Por que?
- Porque um explorador que mentisse produziria catástrofes nos
livros de geografia. Como o explorador que bebesse demais.
- Por que? perguntou o principezinho.
- Porque os bêbados vêem dobrado. Então o geógrafo
anotaria duas montanhas onde há uma só.
- Conheço alguém, disse o principezinho, que seria um
mau explorador.
- É possível. Pois bem, quando a moralidade do explorador
parece boa, faz-se uma investigação sobre a sua descoberta.
- Vai-se ver?
- Não. Seria muito complicado. mas exige-se do explorador que
ele forneça provas. Tratando-se, por exemplo, de uma grande montanha,
ele trará grandes pedras.
O geógrafo, de súbito, se entusiasmou:
- Mas tu vens de longe. Tu és explorador! Tu me vais descrever
o teu planeta!
E o geógrafo, tendo aberto o seu caderno, apontou o seu lápis.
Anotam-se primeiro a lápis as narrações dos exploradores.
Espera-se, para cobrir à tinta, que o explorador tenha fornecido
provas.
- Então? interrogou o geógrafo.
- Oh! onde eu moro, disse o principezinho, não é interessante:
é muito pequeno. Eu tenho três vulcões. Dois vulcões
em atividade e um vulcão extinto. A gente nunca sabe...
- A gente nunca sabe, repetiu o geógrafo.
- Tenho também uma flor.
- Mas nós não anotamos as flores, disse o geógrafo.
- Por que não? É o mais bonito!
- Porque as flores são efêmeras.
- Que quer dizer "efêmera"?
- As geografias, disse o geógrafo, são os livros de mais
valor. Nunca ficam fora de moda. É muito raro que um monte troque
de lugar. É muito raro um oceano esvaziar-se. Nós escrevemos
coisas eternas.
- Mas os vulcões extintos podem se reanimar, interrompeu o principezinho.
Que quer dizer "efêmera"?
- Que os vulcões estejam extintos ou não, isso dá
no mesmo para nós, disse o geógrafo. O que nos interessa
é a montanha. Ela não muda.
- Mas que quer dizer "efêmera"? repetiu o principezinho,
que nunca, na sua vida, renunciara a uma pergunta que tivesse feito.
- Quer dizer "ameaçada de próxima desaparição".
- Minha flor estará ameaçada de próxima desaparição?
- Sem dúvida.
Minha flor é efêmera, disse o principezinho, e não
tem mais que quatro espinhos para defender-se do mundo! E eu a deixei
sozinha!
Foi seu primeiro movimento de remorso. Mas retomou coragem:
- Que me aconselha a visitar? perguntou ele.
- O planeta Terra, respondeu-lhe o geógrafo. Goza de grande reputação...
E o principezinho se foi, pensando na flor.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
09/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XVI - 1943 -

O sétimo planeta
foi pois a Terra.
A Terra não é um
planeta qualquer! Contam-se lá cento e onze reis (não
esquecendo, é claro, os reis negros), sete mil geógrafos,
novecentos mil negociantes, sete milhões e meio de beberrões,
trezentos e onze milhões de vaidosos - isto é, cerca de
dois bilhões de pessoas grandes.
Para dar-lhes uma idéia das dimensões da Terra, eu lhes
direi que, antes da invenção da eletricidade, era necessário
manter, para o conjunto dos seis continentes, um verdadeiro exército
de quatrocentos e sessenta e dois mil, quinhentos e onze acendedores
de lampiões.
Isto fazia, visto um pouco de longe, um magnífico efeito. Os
movimentos desse exército eram ritmados como os de um balé
de ópera. Primeiro vinha a vez dos acendedores de lampiões
da Nova Zelândia e da Austrália. Esses, em seguida, acesos
os lampiões, iam dormir. Entrava por sua vez a dança dos
acendedores de lampiões da China e da Sibéria. E também
desapareciam nos bastidores. Vinha a vez dos acendedores de lampiões
da Rússia e das Índias. Depois os da África e da
Europa. Depois os da América do Sul. Os da América do
Norte. E jamais se enganavam na ordem de entrada, quando apareciam em
cena. Era um espetáculo grandioso.
Apenas dois, o acendedor do único lampião do Pólo
Norte e o seu colega do único lampião do Pólo Sul,
levavam vida ociosa e descuidada: trabalhavam duas vezes por ano.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
10/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XVII - 1943 -

Quando a gente quer fazer
graça, mente às vezes um pouco. Não fui lá
muito honesto ao lhes falar dos acendedores de lampiões. Corro
o risco de dar, àqueles que não conhecem o nosso planeta,
uma falsa idéia dele. Os homens ocupam, na verdade, muito pouco
lugar na superfície da Terra. Se os dois bilhões de habitantes
que povoam a Terra se mantivessem de pé, colados um ao outro,
como para um comício, acomodar-se-iam facilmente numa praça
pública de vinte milhas de comprimento por vinte de largura.
Poder-se-ia ajuntar a humanidade toda na menor das ilhas do Pacífico.
As pessoas grandes não acreditarão, é claro. Elas
julgam ocupar muito espaço. Imaginam-se tão importantes
como os baobás. Digam-lhes pois que façam o cálculo.
Elas adoram os números; ficarão contentes com isso. Mas
vocês não percam tempo com esse problema de aritmética.
É inútil. Vocês acreditam em mim.
O principezinho, uma vez na Terra, ficou, pois, muito surpreso de não
ver ninguém. Já receara ter se enganado de planeta, quando
um anel cor de lua remexeu na areia.
- Boa noite, disse o principezinho, inteiramente ao acaso.
- Boa noite, disse a serpente.
- Em que planeta me encontro? perguntou o principezinho.
- Na Terra, na África, respondeu a serpente.
- Ah!... E não há ninguém na Terra?
- Aqui é o deserto. Não há ninguém nos desertos.
A Terra é grande, disse a serpente.
O principezinho sentou-se numa pedra e ergueu os olhos para o céu:
- As estrelas são todas iluminadas... Não será
para que cada um possa um dia encontrar a sua? Olha o meu planeta: está
justamente em cima de nós... Mas como está longe!
- Teu planeta é belo, disse a serpente. Que vens fazer aqui?
- Tive dificuldades com uma flor, disse o príncipe.
- Ah! exclamou a serpente.
E se calaram.
- Onde estão os homens?
repetiu enfim o principezinho. A gente está um pouco só
no deserto.
- Entre os homens também, disse a serpente.
O principezinho olhou-a longamente.
- Tu és um bichinho engraçado, disse ele, fino como um
dedo...
- Mas sou mais poderosa do que
o dedo de um rei, disse a serpente.
O principezinho sorriu.
- Tu não és tão poderosa assim... não tens
sequer umas patas... não podes sequer viajar...
- Eu posso levar-te mais longe que um navio, disse a serpente.
Ela enrolou-se na perninha do príncipe, como um bracelete de
ouro:
- Aquele que eu toco, eu o devolvo à terra de onde veio, continuou
a serpente. Mas tu és puro. Tu vens de uma estrela...
O principezinho não respondeu.
- Tenho pena de ti, tão fraco, nessa Terra de granito. Posso
ajudar-te um dia, se tiveres muita saudade do teu planeta. Posso...
- Oh! Eu compreendi muito bem, disse o principezinho. Mas por que falas
sempre por enigmas?
- Eu os resolvo todos, disse a serpente.
E calaram-se os dois.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
11/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XVIII - 1943 -

O principezinho atravessou
o deserto e encontrou apenas uma flor. Uma flor de três pétalas,
uma florzinha à-tôa...
- Bom dia, disse o príncipe.
- Bom dia, disse a flor.
- Onde estão os homens? perguntou polidamente.
A flor, um dia, vira passar uma caravana:
- Os homens? Eu creio que existem seis ou sete. Vi-os há muitos
anos. Mas não se pode nunca saber onde se encontram. O vento
os leva. Eles não têm raízes. Eles não gostam
das raízes.
- Adeus, disse o principezinho.
- Adeus, disse a flor.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
12/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XIX - 1943 -

O principezinho escalou
uma grande montanha. As únicas montanhas que conhecera eram os
três vulcões que lhe davam pelo joelho. O
vulcão
extinto servia-lhe de tamborete. "De montanha tão alta,
pensava ele, verei todo o planeta e todos os homens..." Mas só
viu agulhas de pedra, pontudas.
- Bom dia, disse ele inteiramente
ao léu.
- Bom dia... Bom dia... Bom dia... respondeu o eco.
- Quem és tu? perguntou o principezinho.
- Quem és tu... quem és tu... quem és tu... respondeu
o eco.
- Sede meu amigo, eu estou só,
disse ele.
- Estou só... estou só... estou só, respondeu o
eco.
"Que planeta engraçado!
pensou então. É todo seco, pontudo e salgado. E os homens
não tem imaginação. Repetem o que a gente diz...
No meu planeta eu tinha uma flor: e era sempre ela que falava primeiro".
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
14/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XX - 1943 -

Mas aconteceu que o principezinho,
tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu,
enfim, uma estrada. E as estradas vão todas na direção
dos homens.
- Bom dia, disse ele.
Era um jardim cheio de rosas.
- Bom dia, disseram as rosas.
O principezinho contemplou-as.
Eram todas iguais à sua flor.
- Quem sois? perguntou ele estupefato.
- Somos rosas, disseram as rosas.
- Ah! exclamou o principezinho...
E ele sentiu-se extremamente infeliz. Sua flor lhe havia contado que
ela era a única de sua espécie em todo o universo. E eis
que havia
cinco
mil, iguaizinhas, num só jardim!
"Ela haveria de ficar bem vermelha, pensou ele, se visse isto...
Começaria a tossir, fingiria morrer, para escapar do ridículo.
E eu então teria que fingir que cuidava dela; porque senão,
só para me humilhar, ela era bem capaz de morrer de verdade..."
Depois, refletiu ainda: "Eu me julgava rico de uma flor sem igual,
e é apenas uma rosa comum que eu possuo. Uma rosa e três
vulcões que me dão pelo joelho, um dos quais extinto para
sempre. Isso não faz de mim um príncipe muito grande..."
E, deitado na relva, ele chorou.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
15/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XXII - 1943 -

- Bom dia, disse o principezinho.
- Bom dia, respondeu o guarda-chaves.
- Que fazes aqui! perguntou-lhe o principezinho.
- Eu divido os passageiros em blocos de mil, disse o guarda-chaves.
Despacho os trens que os carregam, ora para a direita, ora para a esquerda.
E um rápido iluminado, roncando como um trovão, fez tremer
a cabine do guarda-chaves.
- Eles estão com muita pressa, disse o principezinho. O que é
que estão procurando?
- Nem o homem da locomotiva sabe, disse o guarda-chaves.
E trovejou, em sentido inverso, um outro rápido iluminado.
- Já estão de volta? perguntou o principezinho...
- Não são os mesmos, disse o guarda-chaves. É uma
troca.
- Não estavam contentes onde estavam?
- Nunca estamos contentes onde estamos, disse o guarda-chaves.
- E um terceiro rápido, iluminado, trovejou.
- Estão perseguindo os primeiros viajantes? perguntou o principezinho.
- Não perseguem nada, disse o guarda-chaves. Estão dormindo
lá dentro, ou bocejando. Só as crianças esmagam
o nariz nas vidraças.
- Só as crianças sabem o que procuram, disse o principezinho.
Perdem tempo com uma boneca de pano, e a boneca se torna muito importante,
e choram quando a gente toma...
- Elas são felizes... disse o guarda-chaves.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
Comentários:
19/Jan/2008: O Pequeno Príncipe
me conquistou desde que o li pela primeira vez, na minha adolescência
... Amei e continuo amando... Aprendi muito e continuo aprendendo com
ele... e também sempre conquistando novas amizades com sua citações...
Tenho-o como livro de cabeceira.
Abraços - Mirian - RJ
25/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XXIII - 1943 -

- Bom dia, disse o principezinho.
- Bom dia, disse o vendedor.
Era um vendedor de pílulas aperfeiçoadas que aplacavam
a sede. Toma-se uma por semana e não é mais preciso beber.
- Por que vendes isso? perguntou o principezinho.
- É uma grande economia de tempo, disse o vendedor. Os peritos
calcularam. A gente ganha cinqüenta e três minutos por semana.
- E o que se faz, então, com os cinqüenta e três minutos?
- O que a gente quiser...
"Eu, pensou o principezinho, se tivesse cinqüenta e três
minutos para gastar, iria caminhando passo a passo, mãos no bolso,
na direção de uma fonte..."
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
26/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XXIV - 1943 -

Estávamos no oitavo
dia de minha pane. Justamente quando bebia a última gota de minha
provisão de água, foi que ouvi a história do vendedor.
- Ah! disse eu ao principezinho, são bem bonitas as tuas lembranças,
mas eu não consertei ainda meu avião, não tenho
mais nada para beber, e eu seria feliz, eu também, se pudesse
ir caminhando passo a passo, mãos no bolso, na direção
de uma fonte!
- Minha amiga raposa me disse...
- Meu caro, não se trata mais de raposa!
- Por quê?
- Porque vamos morrer de sede...
Ele não compreendeu o meu raciocínio, e respondeu:
- É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu estou
muito contente de ter tido a raposa por amiga...
- Não avalia o perigo, disse eu. Não tem nunca fome ou
sede. Um raio de sol lhe basta...
Mas ele me olhou e respondeu ao que eu pensava:
- Tenho sede também... procuremos um poço...
- Eu fiz um gesto de desânimo: é absurdo procurar um poço
ao acaso, na imensidão do deserto. No entanto, pusemo-nos a caminho.
Já tínhamos andado horas em silêncio quando a noite
caiu e as estrelas começaram a brilhar. Eu as via como em sonho,
porque tinha um pouco de febre, por causa da sede. As palavras do principezinho
dançavam-me na memória:
- Tu tens sede também? perguntei-lhe.
Mas não respondeu à minha pergunta. Disse apenas:
- A água pode ser boa para o coração...
Não compreendi sua resposta e calei-me... Eu bem sabia que não
adiantava interrogá-lo.
Ele estava cansado. Sentou-se. Sentei-me junto dele. E, após
um silêncio, disse ainda:
- As estrelas são belas por causa de uma flor que não
se vê...
Eu respondi "é mesmo" e fitei, sem falar, a ondulação
da areia enluarada.
- O deserto é belo, acrescentou...
E era verdade. Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna
de areia. Não se vê nada. Não se escuta nada. E
no entanto, no silêncio, alguma coisa irradia...
O que torna belo o deserto, disse o principezinho, é que ele
esconde um poço nalgum lugar.
Fiquei surpreso por compreender de súbito essa misteriosa irradiação
da areia. Quando eu era pequeno, habitava uma casa antiga, e diziam
as lendas que ali fora enterrado um tesouro. Ninguém, é
claro, o conseguira descobrir, nem talvez mesmo o procurou. Mas ele
encantava a casa toda. Minha casa escondia um tesouro no fundo do coração...
- Quer se trate de casa, das estrelas ou do deserto, disse eu ao principezinho,
o que faz sua beleza é invisível!
- Estou contente, disse ele, que estejas de acordo com a raposa.
Como o principezinho adormecesse, tomei-o nos braços e prossegui
a caminhada. Eu estava comovido. Tinha a impressão de carregar
um frágil tesouro. Parecia-me mesmo não haver na Terra
nada mais frágil. Considerava, à luz da lua, a fronte
pálida, os olhos fechados, as mechas de cabelo que tremiam ao
vento. E eu pensava: o que eu vejo não é mais que uma
casca. O mais importante é invisível...
Como seus lábios entreabertos esboçassem um sorriso, pensei
ainda: "O que tanto me comove nesse príncipe adormecido
é sua fidelidade a uma flor; é a imagem de uma rosa que
brilha nele como a chama de uma lâmpada, mesmo quando dorme..."
Eu o pressentia então mais frágil ainda. É preciso
proteger as lâmpadas com cuidado: um sopro as pode apagar...
E, caminhando assim, eu descobri o poço. O dia estava raiando.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
28/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XXV - 1943 -

- Os homens, disse o principezinho,
se enfurnam nos rápidos, mas não sabem o que procuram.
Então eles se agitam, ficam rodando à toa...
E acrescentou:
- E isso não adianta...
O poço a que tínhamos chegado não se parecia de
forma alguma com os poços do Saara. Os poços do Saara
são simples buracos na areia. Aquele, parecia um poço
de aldeia. Mas não havia ali aldeia alguma, e eu julgava sonhar.
- É estranho, disse eu ao principezinho, tudo está preparado:
a roldana, o balde e a corda.
Ele riu, pegou a corda, fez girar a roldana. E a roldana gemeu como
gemem os velhos cata-ventos quando o vento dormiu por muito tempo.
- Tu escutas? disse o príncipe. Estamos acordando o poço,
ele canta...
Eu não queria que ele fizesse
esforço:
- Deixa que eu puxe, disse eu, é muito pesado para o teu tamanho.
Lentamente, icei o balde até em cima, e o instalei com cuidado
na borda do poço. Nos meus ouvidos permanecia ainda o canto da
roldana, e na água, que ainda brilhava, via tremer o sol.
- Tenho sede dessa água, disse o principezinho. Dá-me
de beber...
E eu compreendi o que ele havia buscado!
Levantei-lhe o balde até a boca. Ele bebeu, de olhos fechados.
Era doce como uma festa. Essa água era muito mais que alimento.
Nascera da caminhada sob as estrelas, do canto da roldana, do esforço
do meu braço. Era boa para o coração, como um presente.
Quando eu era pequeno, todo o esplendor do presente de Natal estava
também na luz da árvore, na música da missa de
meia-noite, na doçura dos risos...
- Os homens do teu planeta, disse o principezinho, cultivam cinco mil
rosas num mesmo jardim... e não encontram o que procuram...
- Não encontram, respondi...
- E no entanto o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa,
ou num pouquinho d'água...
- É verdade.
E o principezinho acrescentou:
- Mas os olhos são cegos. É preciso buscar com o coração...
Eu havia bebido. Respirava facilmente. A areia é cor de mel quando
amanhece. E a cor de mel me fazia feliz. Por que haveria eu de estar
triste?...
- É preciso, disse baixinho o príncipe, que cumpras a
tua promessa. Ele estava, de novo, sentado junto de mim.
- Que promessa?
- Tu sabes... a mordaça do meu carneiro... eu sou responsável
pela flor!
Tirei do bolso as minhas tentativas de desenho. O principezinho os viu
e disse rindo:
- Teus baobás parecem um pouco repolhos...
- Oh!
Eu estava tão orgulhoso de meus baobás!
- Tua raposa... as orelhas dela... parecem chifres... são compridas
demais!
Ele riu outra vez.
- Tu és injusto, meu bem, eu só sabia desenhar jibóias
abertas e fechadas...
- Não faz mal, disse ele, as crianças entendem.
Rabisquei, portanto, uma pequena mordaça. Mas sentia, ao entregá-la,
um aperto no coração:
- Tu tens projeto que eu ignoro...
Ele não me respondeu. Mas disse:
- Lembras-te da minha queda na Terra? Amanhã será o aniversário...
Depois, após um silêncio, acrescentou:
- Caí pertinho daqui...
E ficou vermelho ao dizê-lo.
E de novo, sem compreender porque, eu sentia um estranho pesar. No entanto,
ocorreu-me a pergunta:
- Então não foi por acaso que vagavas sozinho, quando
te encontrei, há oito dias, a milhas e milhas de qualquer região
habitada! Não estarias voltando ao ponto da queda?
O principezinho ficou vermelho de novo.
E eu acrescentei, hesitando:
- Terá sido por causa do aniversário?...
O principezinho ficou mais vermelho. Não respondia nunca às
perguntas. Mas quando a gente fica vermelho, não é o mesmo
que dizer "sim"?
- Ah! disse-lhe eu, eu tenho medo...
Mas ele respondeu:
- Tu deves agora trabalhar. Ir em busca do teu aparelho. Espero-te aqui.
Volta amanhã de tarde...
Mas eu não estava tranqüilo. Lembrava-me da raposa. A gente
corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
29/Janeiro/2008:
QUIS TE ENCONTRAR...
- Jan/2008 -
Quis te encontrar...
Pelos meus anseios, meus desejos...
Por minha vontade de te amar...
De te clamar....
Encontrando em teus braços,
o infinito tempo...
Quis te encontrar...
Para ter...
Todas as ilusões que criei...
Onde me encontrei...
Me despir por igual pelos nossos sentimentos...
Pelos nossos lamentos...
Quis te encontrar...
Completando minhas fantasias...
Tirando minha agonia...
E descobrindo que só posso te amar!
Quis te encontrar...
Para adormecer em teus beijos...
Te querendo além dos mares...
Enlouquecendo, temendo te perder...
Como é louco esse meu querer!
Quis te encontrar...
Para gritar ao mundo...
Não vá embora...
pois vai ficar alguém aqui que chora...
Chora por te amar...
Quis te encontrar...
Por esse seu olhar que me desnuda...
Num louco desejo...
Que minh'alma invade...
( Rosane Armani - 'Biografia'
- 1970/****)
30/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XXVI - 1943 -

Havia, ao lado do poço,
a ruína de um velho muro de pedra. Quando voltei do trabalho,
no dia seguinte, vi, de longe, o principezinho sentado no alto, com
as pernas balançando. E eu o escutei dizer:
- Tu não te lembras então? Não foi bem aqui o lugar!
Uma outra voz devia responder-lhe, porque replicou em seguida:
- Não; não estou enganado. O dia é este, mas não
o lugar...
Prossegui o caminho para o muro. Continuava a não ver ninguém.
No entanto o principezinho replicou novamente:
- ... Está bem. Tu verás onde começa, na areia,
o sinal dos meus passos. Basta esperar-me. Estarei ali esta noite.
Eu me achava a vinte metros do muro e continuava a não ver nada.
O principezinho disse ainda, após um silêncio:
- O teu veneno é do bom? Estás certa de que não
vou sofrer muito tempo?
Parei, o coração apertado, sem compreender ainda.
- Agora, vai-te embora, disse ele... eu quero descer!
Então baixei os olhos para
o pé do muro, e dei um salto! Lá estava, erguida para
o principezinho, uma dessas serpentes amarelas que nos liquidam num
minuto. Enquanto procurava o revólver no bolso, dei uma rápida
corrida.
Mas, percebendo o barulho, a serpente se foi encolhendo lentamente,
como um repuxo que morre. E, sem se apressar demais, enfiou-se entre
as pedras, num leve tinir de metal.
Cheguei ao muro a tempo de receber nos braços o meu caro principezinho,
pálido como a neve.
- Que história é essa? Tu conversas agora com as serpentes?
Desatei o nó do seu eterno lenço dourado. Umedeci-lhe
as têmporas. Dei-lhe água. E agora, não ousava perguntar-lhe
coisa alguma. Olhou-me gravemente e passou-me os bracinhos no pescoço.
Sentia-lhe o coração bater de encontro ao meu, como o
de um pássaro que morre, atingido pela carabina. Ele me disse:
- Estou contente de teres descoberto o defeito do maquinismo. Vais poder
voltar para casa...
- Como soubeste disso?
- Eu vinha justamente anunciar-lhe que, contra toda expectativa, havia
realizado o conserto!
Nada respondeu à minha pergunta, mas acrescentou:
- Eu também volto hoje para casa...
Depois, com melancolia, ele disse:
- É bem mais longe... bem mais difícil...
Eu percebia claramente que algo de extraordinário se passava.
Apertava-o nos braços como se fosse uma criancinha; mas tinha
a impressão de que ele ia deslizando verticalmente no abismo,
sem que eu nada pudesse fazer para detê-lo...
Seu olhar estava sério, perdido ao longe:
- Tenho o teu carneiro. E a caixa para o carneiro. E a mordaça...
Ele sorriu com tristeza.
Esperei muito tempo. Pareceu-me que ele ia se aquecendo de novo, pouco
a pouco:
- Meu querido, tu tiveste medo...
É claro que tivera. Mas ele sorriu docemente.
- Terei mais medo ainda esta noite...
O sentimento do irreparável gelou-me de novo. E eu compreendi
que não podia suportar a idéia de nunca mais escutar esse
riso. Ele era para mim como uma fonte no deserto.
- Meu bem, eu quero ainda escutar o teu riso...
Mas ele me disse:
- Faz um ano esta noite. Minha estrela se achará justamente em
cima do lugar onde eu caí o ano passado...
- Meu bem, não será um sonho mau essa história
de serpente, de encontro marcado, de estrela?
Mas não respondeu à minha pergunta. E disse:
- O que é importante, a gente não vê...
- A gente não vê...
- Será como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela,
é doce, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estão
floridas.
- Todas as estrelas estão floridas.
- Será como a água. Aquela que me deste parecia música,
por causa da roldana e da corda... Lembras-te como era boa?
- Lembro-me...
- Tu olharás, de noite, as estrelas. Onde eu moro é muito
pequeno, para que eu possa te mostrar onde se encontra a minha. É
melhor assim, Minha estrela será então qualquer das estrelas.
Gostarás de olhar todas elas... Serão, todas, tuas amigas.
E depois, eu vou fazer-te um presente...
Ele riu outra vez.
- Ah! meu pedacinho de gente, meu amor, como eu gosto de ouvir esse
riso!
- Pois é ele o meu presente... será como a água...
- Que queres dizer?
- As pessoas têm estrelas que não são as mesmas.
para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas
não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios,
são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. mas todas essas
estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...
- Que queres dizer?
- Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas,
porque numa delas estarei rindo, então será como se todas
as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir!
E ele riu mais uma vez.
- E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te
sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre
meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E abrirás às
vezes a janela à toa, por gosto... E teus amigos ficarão
espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Tu explicarás
então: "Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"
E eles te julgarão maluco. Será uma peça que te
prego...
E riu de novo.
- Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montões
de guizos que riem...
E riu de novo, mais uma vez. Depois, ficou sério:
- Esta noite... tu sabes... não venhas.
- Eu não te deixarei.
- Eu parecerei sofrer... eu parecerei morrer. É assim. Não
venhas ver. Não vale a pena...
- Eu não te deixarei.
Mas ele estava preocupado.
- Eu digo isto... também por causa da serpente. É preciso
que não te morda. As serpentes são más. Podem morder
por gosto...
- Eu não te deixarei.
Mas uma coisa o tranqüilizou:
- Elas não têm veneno, é verdade, para uma segunda
mordida...
Essa noite, não o vi pôr-se a caminho. Evadiu-se sem rumor.
Quando consegui apanhá-lo, caminhava decidido, a passo rápido.
Disse-me apenas:
- Ah! estás aqui...
E ele me tomou pela mão. Mas afligiu-se ainda:
- Fizeste mal. Tu sofrerás. Eu parecerei morto e não será
verdade...
Eu me calava.
- Tu compreendes. É longe demais. Eu não posso carregar
este corpo. É muito pesado.
Eu me calava.
- Mas será como uma velha casca abandonada. Uma casca de árvore
não é triste...
Eu me calava.
Perdeu um pouco de coragem. Mas fez ainda um esforço:
- Será bonito, sabes? Eu também olharei as estrelas. Todas
as estrelas serão poços com uma roldana enferrujada. Todas
as estrelas me darão de beber...
Eu me calava.
- Será tão divertido! Tu terás quinhentos milhões
de guizos, eu terei quinhentos milhões de fontes...
E ele se calou também, porque estava chorando...
- É aqui. Deixa-me dar um passo sozinho.
E sentou-se, porque tinha medo.
Disse ainda:
-
Tu sabes... minha flor... eu sou responsável por ela! Ela é
tão frágil! Tão ingênua! Tem quatro espinhos
de nada para defendê-la do mundo...
Eu sentei-me também, pois não podia mais ficar de pé.
Ele disse:
- Pronto... Acabou-se...
Hesitou ainda um pouco, depois ergueu-se. Deu um passo. Eu... eu não
podia mover-me.
Houve apenas um clarão amarelo perto da sua perna. Permaneceu,
por um instante, imóvel. Não gritou. Tombou devagarinho
como uma árvore tomba
Nem fez sequer barulho, por causa
da areia.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
31/Janeiro/2008:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo XXVII - 1943 -
E agora, certamente, já
se vão seis anos... Jamais contara essa história. Os camaradas
ficaram contentes de ver-me são e salvo. Eu estava triste, mas
dizia: É o cansaço...
Agora já me consolei um pouco. Mas não de todo. Sei que
ele voltou ao seu planeta; pois, ao raiar do dia, não lhe encontrei
o corpo. Não era um corpo tão pesado assim... E gosto,
à noite, de escutar as estrelas. Quinhentos milhões de
guizos...
Mas eis que sucede uma coisa extraordinária. Na mordaça
que desenhei para o principezinho, esqueci de juntar a correia! Não
poderá jamais prendê-la ao carneiro. E eu pergunto então:
"Que se terá passado no planeta? Pode bem ser que o carneiro
tenha comido a flor..."
Ora eu penso: "Certamente que não! O principezinho encerra
a flor todas as noites na redoma de vidro e vigia bem o carneiro..."
Então, eu me sinto feliz. E todas as estrelas riem docemente.
Ora eu digo: "Uma vez ou outra a gente se distrai e basta isto!
Esqueceu uma noite a redoma de vidro ou o carneiro saiu de mansinho,
sem que fosse notado..." Então os guizos se transformam
todos em lágrimas!...
Eis aí um mistério bem grande. Para vocês, que amam
também o principezinho, como para mim, todo o universo muda de
sentido, se num lugar, que não sabemos onde, um carneiro, que
não conhecemos, comeu ou não uma rosa...
Olhem o céu. Perguntem: Terá ou não terá
o carneiro comido a flor? E verão como tudo fica diferente...
E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta
importância.
Esta é, para mim, a mais
bela paisagem do mundo, e também a mais triste. É a mesma
da página precedente. Mas desenhei-a de novo para mostrá-la
bem. Foi aqui que o principezinho apareceu na terra, e desapareceu depois.
Olhem atentamente esta paisagem para que estejam certos de reconhecê-la,
se viajarem um dia na África, através do deserto. E se
acontecer passarem por ali, eu lhes suplico que não tenham pressa
e que esperem um pouco bem debaixo da estrela! Se então um menino
vem ao encontro de vocês, se ele ri, se tem cabelos de ouro, se
não responde quando interrogam, adivinharão quem é.
Então, por favor, não me deixem tão triste: escrevam-me
depressa que ele voltou...

FIM
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( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )