01/Novembro/2007:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo VII - 1943 -

No quinto dia, sempre graças ao
carneiro, este segredo da vida do pequeno príncipe me foi de
súbito revelado. Perguntou-me, sem preâmbulo, como se fora
o fruto de um problema muito tempo meditado em silêncio:
- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
- Um carneiro come tudo que encontra.
- Mesmo as flores que tenham espinho?
- Sim. Mesmo as que têm.
- Então... para que servem os espinhos?
Eu não sabia. Estava ocupadíssimo naquele instante, tentando
desatarraxar do motor um parafuso muito apertado. Minha pane começava
parecer demasiado grave e, em breve, já não teria água
para beber...

- Para que servem os espinhos?
O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse
feito. Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:
- Espinho não serve para nada. São pura maldade das flores.
- Oh!
Mas após um silêncio, ele me disse com uma espécie
de rancor:
- Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas.
Defendem-se como podem. Elas se julgam terríveis com os seus
espinhos...
Não respondi. Naquele instante eu pensava: "Se esse parafuso
ainda resiste, vou fazê-lo saltar a martelo". O principezinho
perturbou-me de novo as reflexões:
- E tu pensas então que as flores...
- Ora! Eu não penso nada. Eu respondi qualquer coisa. Eu só
me ocupo com coisas sérias!
Ele olhou-me estupefato:
- Coisas sérias!
Via-me, martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um feio
objeto.
- Tu falas como as pessoas grandes!
Senti um pouco de vergonha. Mas ele acrescentou, implacável:
- Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo!
Estava realmente muito irritado. Sacudia ao vento cabelos de ouro:
- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase
roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém.
Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu:
"Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!"
e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem;
é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!
O principezinho estava agora pálido de cólera.
-
Há milhões e milhões de anos que as flores fabricam
espinhos. Há milhões e milhões de anos que os carneiros
as comem, apesar de tudo. E não será sério procurar
compreender por que perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis?
Não terá importância a guerra dos carneiros e das
flores? Não será mais importante que as contas do tal
sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única
no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um
carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o que faz,
- isto não tem importância?!
Corou um pouco, e continuou em seguida:
- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar
em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que
seja feliz quando a contempla. Ele pensa: "Minha flor está
lá, nalgum lugar..." Mas se o carneiro come a flor, é
para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! E isto
não tem importância!
Não pôde dizer mais
nada. Pôs-se bruscamente a soluçar. A noite caíra.
Larguei as ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da
morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho
a consolar! Tomei-o nos braços. Embalei-o. E lhe dizia: "A
flor que tu amas não está em perigo... Vou desenhar uma
pequena mordaça para o carneiro... Uma armadura para a flor...
Eu...". Eu não sabia o que dizer. Sentia-me desajeitado.
Não sabia como atingi-lo, onde encontrá-lo... É
tão misterioso, o país das lágrimas!
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )