01/Julho/2007:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo II - 1943 -

Vivi
portanto só, sem amigo com quem pudesse realmente conversar,
até o dia, cerca de seis anos atrás, em que tive uma pane
no deserto do Saara. Alguma coisa se quebrara no motor. E como não
tinha comigo mecânico ou passageiro, preparei-me para empreender
sozinho o difícil conserto. Era, para mim, questão de
vida ou de morte. Só dava para oito dias a água que eu
tinha.
Na primeira noite adormeci pois sobre a areia, a milhas e milhas de
qualquer terra habitada. Estava mais isolado que o náufrago numa
tábua, perdido no meio do mar. Imaginem então a minha
surpresa, quando, ao despertar do dia, uma vozinha estranha me acordou.
Dizia:
- Por favor... desenha-me um carneiro!
- Hem!
- Desenha-me um carneiro...
Pus-me de pé, como atingido por um raio. Esfreguei os olhos.
Olhei bem. E vi um pedacinho de gente inteiramente extraordinário,
que me considerava com gravidade. Eis o melhor retrato que, mais tarde,
consegui fazer dele.

Meu desenho é, seguramente,
muito menos sedutor que o modelo. Não tenho culpa. Fora desencorajado,
aos seis anos, da minha carreira de pintor, e só aprendera a
desenhar jibóias abertas e fechadas.
Olhava pois essa aparição com olhos redondos de espanto.
Não esqueçam que eu me achava a mil milhas de qualquer
terra habitada. Ora, o meu homenzinho não me parecia nem perdido,
nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo. Não
tinha absolutamente a aparência de uma criança perdida
no deserto, a mil milhas da região habitada. Quando pude enfim
articular palavra, perguntei-lhe:
- Mas ... que fazes aqui?
E ele repetiu-me então, brandamente, como uma coisa muito séria:
- Por favor ... desenha-me um carneiro ...
Quando o mistério é muito impressionante, a gente não
ousa desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parecesse a mil milhas
de todos os lugares habitados e em perigo de morte, tirei do bolso uma
folha de papel e uma caneta. Mas lembrei-me, então, que eu havia
estudado de preferência geografia, história, cálculo
e gramática, e disse ao garoto (com um pouco de mau humor) que
eu não sabia desenhar. Respondeu-me:
- Não tem importância. Desenha-me um carneiro.
Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois
únicos desenhos que sabia. O da jibóia fechada. E fiquei
estupefato de ouvir o garoto replicar:
- Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia.
A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço.
Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é dum carneiro. Desenha-me
um carneiro.
Então eu desenhei.
Olhou atentamente, e disse:
- Não! Esse já está muito doente. Desenha outro.
Desenhei de novo.
Meu amigo sorriu com indulgência:
- Bem vês que isto não é um carneiro. É um
bode... Olha os chifres...
Fiz mais uma vez o desenho. 
Mas ele foi recusado como os precedentes:
- Este aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito.
Então, perdendo a paciência, como tinha pressa de desmontar
o motor, rabisquei o desenho ao lado.
E arrisquei:
- Esta é a caixa. O carneiro está dentro.
Mas fiquei surpreso de ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz:
- Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para
esse carneiro?
- Por quê?
- Porque é muito pequeno onde eu moro...
- Qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada!
Inclinou a cabeça sobre o desenho:
- Não é tão pequeno assim... Olha! Adormeceu...
E foi desse modo que eu travei conhecimento, um dia, com o pequeno príncipe.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )