25/Dezembro/2007:
NA NOITE DE NATAL
- Antologia Mediúnica do Natal - 1967 -
- Minha mãe, porque Jesus,
Cheio de amor e grandeza,
Preferiu nascer no mundo
Nos caminhos da probreza ?
Porque não veio até
nós
Entre flores e alegrias,
Num berço todo enfeitado
De sedas e pedrarias ?"
- "Acredito, meu filhinho,
Que o Mestre da Caridade
Mostrou, em tudo e por tudo,
A luminosa humildade!...
Às vezes, penso também,
Nos trabalhos deste mundo,
Que a Manjedoura revela
Ensino bem mais profundo !"
E a pobre mãe de olhos
fixos
Na luz do céu que sorria,
Concluiu com sentimento
Em terna melancolia:
- "Por certo, Jesus ficou
Nas palhas, sem proteção,
Por não lhe abrirmos na Terra
As portas do coração.
( João de Deus / Chico
Xavier - 'Biografia'
- 1910/2002 )
26/Dezembro/2007:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo VIII - 1943 -

Pude bem cedo conhecer melhor aquela flor. Sempre houvera, no planeta
do pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só
fileira de pétalas, e que não ocupavam lugar nem incomodavam
ninguém. Apareciam certa manhã na relva, e já à
tarde se extinguiam. Mas aquela brotara um dia de um grão trazido
não se sabe de onde, e o principezinho vigiara de perto o pequeno
broto, tão diferente dos outros. Podia ser uma nova espécie
de baobá. Mas o arbusto logo parou de crescer, e começou
então a preparar uma flor. O principezinho, que assistia à
instalação de um enorme botão, bem sentiu que sairia
dali uma aparição miraculosa; mas a flor não acabava
mais de preparar-se, de preparar sua beleza, no seu verde quarto. Escolhia
as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas
pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada.
No radioso esplendor da sua beleza é que ela queria aparecer.
Ah! Sim. Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara dias
e dias. E eis que uma bela manhã, justamente à hora do
sol nascer, havia-se, afinal, mostrado.
E ela, que se preparava com tanto
esmero, disse, bocejando:
- Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda despenteada...
O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto:
- Como és bonita!
- Não é? Respondeu a flor docemente. Nasci ao mesmo tempo
que o sol...
O principezinho percebeu logo que a flor não era modesta. Mas
era tão comovente!
- Creio que é hora do almoço, acrescentou ela. Tu poderias
cuidar de mim...
E o principezinho, embaraçado, fora buscar um regador com água
fresca, e servira à flor.
Assim, ela o afligira logo com
sua mórbida vaidade. Um dia, por exemplo, falando dos seus quatro
espinhos, dissera ao pequeno príncipe:
- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta, objetara o principezinho.
E depois, os tigres não comem erva.

- Não sou uma erva, respondera
a flor suavemente.
- Perdoa-me...
- Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes
de ar. Não terias acaso um pára-vento?
"Horror das correntes de
ar... Não é muito bom para uma planta, notara o principezinho.
É bem complicada essa flor..."
- À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no
teu planeta. Está mal instalado. De onde eu venho...
Mas interrompeu-se de súbito. Viera em forma de semente. Não
pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por se ter deixado
apanhar numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes,
para pôr a culpa no príncipe:
- E o pára-vento?
- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas...
Então ela redobrara a tosse para infligir-lhe remorso.

Assim o principezinho, apesar
da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a sério
palavras sem importância, e se tornara infeliz.
"Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não
se deve nunca escutar as flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume.
A minha embalsamava o planeta, mas eu não me contentava com isso.
A tal história das garras, que tanto me agastara, me devia ter
enternecido..."
Confessou-me ainda:
"Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado
pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava...
Não devia jamais ter fugido. Devia ter-lhe adivinhado a ternura
sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias
as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
27/Dezembro/2007:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo IX - 1943 -

"Creio que ele aproveitou,
para evadir-se, pássaros selvagens que imigravam. Na manhã
da partida, pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus
dois vulcões em atividade. Pois possuía dois vulcões.
E era muito cômodo para esquentar o almoço. Possuía
também um vulcão extinto. Mas, como ele dizia: "Quem
é que pode garantir?", revolveu também o extinto.
Se eles são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente,
regularmente, sem erupções. As erupções
vulcânicas são como fagulhas de lareira. Na terra, nós
somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é
que nos causam tanto dano.

O principezinho arrancou também, não sem um pouco de melancolia,
os últimos rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar.
Mas todos esses trabalhos familiares lhe pareceram, naquela manhã,
extremamente doces. E, quando regou pela última vez a flor, e
se dispunha a colocá-la sob a redoma, percebeu que estava com
vontade de chorar.
- Adeus, disse ele à flor.
Mas a flor não respondeu.
- Adeus, repetiu ele.
A flor tossiu. Mas não era por causa do resfriado.
- Eu fui uma tola, disse por fim. Peço-te perdão. Trata
de ser feliz.
A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, inteiramente
sem jeito, com a redoma no ar. Não podia compreender essa calma
doçura.
- É claro que eu te amo, disse-lhe a flor. Foi por minha culpa
que não soubeste de nada. Isso não tem importância.
Foste tão tolo quanto eu. Trata de ser feliz... Mas pode deixar
em paz a redoma. Não preciso mais dela.
- Mas o vento...
- Não estou assim tão resfriada... O ar fresco da noite
me fará bem. Eu sou uma flor.
- Mas os bichos...
- É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser
conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas! Do contrário,
quem virá visitar-me? Tu estarás longe... Quanto aos bichos
grandes, não tenho medo deles. Eu tenho as minhas garras.
E ela mostrava ingenuamente seus quatro espinhos. Em seguida acrescentou:
- Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir.
Vai-te embora!
Pois ela não queria que ele a visse chorar. Era uma flor muito
orgulhosa...

( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
28/Dezembro/2007:
O PEQUENO PRÍNCIPE
- Capítulo X - 1943 -

"Ele se achava na região
dos asteróides 325, 326, 327, 328, 329, 330. Começou,
pois, a visitá-los, para procurar uma ocupação
e se instruir.
O primeiro era habitado por um rei. O rei sentava-se, vestido de púrpura
e arminho, num trono muito simples, posto que majestoso.
- Ah! Eis um súdito, exclamou o rei ao dar com o principezinho.
E o principezinho perguntou a si mesmo:
- Como pode ele reconhecer-me, se jamais me viu?
Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito simplificado.
Todos os homens são súditos.
- Aproxima-te, para que eu te veja melhor, disse o rei, todo orgulhoso
de poder ser rei para alguém.
O principezinho procurou com olhos onde sentar-se, mas o planeta estava
todo atravancado pelo magnífico manto de arminho. Ficou, então,
de pé. Mas, como estava cansado, bocejou.
- É contra a etiqueta bocejar na frente do rei, disse o monarca,
Eu o proíbo.
- Não posso evitá-lo, disse o principezinho confuso. Fiz
uma longa viagem e não dormi ainda...
- Então, disse o rei, eu te ordeno que bocejes. Há anos
que não vejo ninguém bocejar! Os bocejos são uma
raridade para mim. Vamos, boceja! É uma ordem!
- Isso me intimida... eu não posso mais... disse o principezinho
todo vermelho.
- Hum! Hum! respondeu o rei. Então... então eu te ordeno
ora bocejares e ora...
Ele gaguejava um pouco e parecia vexado.
Porque o rei fazia questão fechada que sua autoridade fosse respeitada.
Não tolerava desobediência. Era um monarca absoluto. Mas,
como era muito bom, dava ordens razoáveis.
"Se eu ordenasse, costumava dizer, que um general se transformasse
em gaivota, e o general não me obedecesse, a culpa não
seria do general, seria minha".
- Posso sentar-me? interrogou timidamente o principezinho.
- Eu te ordeno que te sentes, respondeu-lhe o rei, que puxou majestosamente
um pedaço do manto de arminho.
Mas o principezinho se espantava. O planeta era minúsculo. Sobre
quem reinaria o rei?
- Majestade... eu vos peço perdão de ousar interrogar-vos...
- Eu te ordeno que me interrogues, apressou-se o rei a declarar.
- Majestade... sobre quem é que reinas?
- Sobre tudo, respondeu o rei, com uma grande simplicidade.
- Sobre tudo?
O rei, com um gesto discreto, designou seu planeta, os outros, e também
as estrelas.
- Sobre tudo isso?
- Sobre tudo isso... respondeu o rei.
Pois ele não era apenas um monarca absoluto, era também
um monarca universal.
- E as estrelas vos obedecem?
- Sem dúvida, disse o rei. Obedecem prontamente. Eu não
tolero indisciplina.
Um tal poder maravilhou o principezinho. Se ele fosse detentor do mesmo,
teria podido assistir, não a quarenta e quatro, mas a setenta
e dois, ou mesmo a cem, ou mesmo a duzentos pores-do-sol no mesmo dia,
sem precisar sequer afastar a cadeira! E como se sentisse um pouco triste
à lembrança do seu pequeno planeta abandonado, ousou solicitar
do rei uma graça:
- Eu desejava ver um pôr-do-sol... Fazei-me esse favor. Ordenai
ao sol que se ponha...
- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta,
ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general
não executasse a ordem recebida, quem - ele ou eu - estaria errado?
- Vós, respondeu com firmeza o principezinho.
- Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar,
replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares
a teu povo que ele se lance ao mar, farão todos revolução.
Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são
razoáveis.
- E meu pôr-do-sol? lembrou o principezinho, que nunca esquecia
a pergunta que houvesse formulado.
- Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu o exigirei. Mas eu esperarei,
na minha ciência de governo, que as condições sejam
favoráveis.
- Quando serão? indagou o principezinho.
- Hem? respondeu o rei, que consultou inicialmente um grosso calendário.
Será lá por volta de... por volta de sete horas e quarenta,
esta noite. E tu verás como sou bem obedecido.
O principezinho bocejou. Lamentava o pôr-do-sol que perdera. E
depois, já estava se aborrecendo um pouco!
- Não tenho mais nada que fazer aqui, disse ao rei. Vou prosseguir
minha viagem.
- Não partas, respondeu o rei, que estava orgulhoso de ter um
súdito. Não partas: eu te faço ministro!
- Ministro de quê?
- Da... da justiça!
- Mas não há ninguém a julgar!
- Quem sabe? disse o rei. Ainda não dei a volta no meu reino.
Estou muito velho, não tenho lugar para carruagem, e andar cansa-me
muito.
- Oh! Mas eu já vi, disse o príncipe que se inclinou para
dar ainda uma olhadela do outro lado do planeta. Não consigo
ver ninguém...
- Tu julgarás a ti mesmo, respondeu-lhe o rei. É o mais
difícil. É bem mais difícil julgar a si mesmo que
julgar os outros. Se consegues julgar-te bem, eis um verdadeiro sábio.
- Mas eu posso julgar-me a mim próprio em qualquer lugar, replicou
o principezinho. Não preciso, para isso, ficar morando aqui.
- Ah! disse o rei, eu tenho quase certeza de que há um velho
rato no meu planeta. Eu o escuto de noite. Tu poderás julgar
esse rato. Tu o condenarás à morte de vez em quando: assim
a sua vida dependerá da tua justiça. Mas tu o perdoarás
cada vez, para economizá-lo. Pois só temos um.
- Eu, respondeu o principezinho, eu não gosto de condenar à
morte, e acho que vou mesmo embora.
- Não, disse o rei.
Mas o principezinho, tendo acabado os preparativos, não quis
afligir o velho monarca:
- Se Vossa Majestade deseja ser prontamente obedecido, poderá
dar-me uma ordem razoável. Poderia ordenar-me, por exemplo, que
partisse em menos de um minuto. Parece-me que as condições
são favoráveis.
Como o rei não disse nada, o principezinho hesitou um pouco;
depois suspirou e partiu.
- Eu te faço meu embaixador, apressou-se o rei em gritar.
Tinha um ar de grande autoridade.
As pessoas grandes são muito esquisitas, pensava, durante a viagem,
o principezinho.
( Antoine de Saint-Exupery
- 'Biografia'
- 1900/1944 )
30/Dezembro/2007:
SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA
- -
Perdi o
bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira
lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei
se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não?na noite escassa
com um insolúvel
flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
( Carlos Drummond de Andrade
- 'Biografia'
- 1902/1987 )
31/Dezembro/2007:
A ESPERANÇA
A Esperança não
murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não
pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu
grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
( Augusto dos Anjos - 'Biografia'
- 1884/1914 )