01/Fevereiro/2008:
PENSANDO EM VOCÊ
- Fev/2008 -
"Fico
ás vezes parada, sozinha, pensando em você,
pensando em teu cheiro, em teu calor...
pensando em simplesmente te querer...
querer esse teu corpo com todo ardor.
Te quero por inteiro...
te quero sem receio..
Ter o teu corpo de encontro ao meu...
corpos suados...
ter você que é só meu...
Sentir sua boca...
o calor dela...
Amor... como descrever?
somos eu e você... pensando em nos perder...
em nos entregar um ao outro...
nos invadir...
sem medo... sem medo...
Amor é o que sinto por ti,
o que me entrega a você...
e fico a me despir... sem medo de me ferir!
Fico ás vezes parada, sozinha, pensando...
( Rosane Armani - 'Biografia'
- 1970/****)
09/Fevereiro/2008:
RETRATO DE FAMÍLIA
- Antologia Poética - 1962 -
" Este retrato de família
está um tanto empoeirado.
Já não se vê no rosto do pai
quanto dinheiro ele ganhou.
Nas mãos dos tios não
se percebem
as viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
sem memórias da monarquia.
Os meninos, como estão
mudados.
O rosto de Pedro é tranqüilo,
usou os melhores sonhos,
E João não é mais mentiroso.
O jardim tornou-se fantástico,
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
é um oceano de névoa.
No semicírculo de cadeiras
nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
mas sem barulho: é um retrato.
Vinte anos é um grande
tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
outra, sorrindo, se propõe.
Esses estranhos assentados,
meus parentes ? Não acredito.
São visitas se divertindo
numa sala que se abre pouco.
Ficaram traços de família
perdidos no jeito dos corpos.
Bastante para sugerir
que um corpo é cheio de surpresas.
A moldura deste retrato
em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
saberiam - se preciso - voar.
Poderiam sutilizar-se
no claro-escuro do salão,
ir morar no fundo de móveis
ou no bolso de velhos coletes.
A casa tem muitas gavetas
e papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
quando a matéria se aborrece ?
O retrato não me responde,
ele me fita e se contempla
nos meus olhos empoeirados.
E no cristal se multiplicam
os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
dos que restaram. Percebo apenas
a estranha idéia de família
viajando através da carne.
( Carlos Drummond de Andrade
- 'Biografia'
- 1902/1987)